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80 ANOS DE MONTE CASTELO: RESGATE DE UMA VITÓRIA EXEMPLAR DA FEB NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Foto do escritor: EngD EngD

Henrique Luduvice


A Força Expedicionária Brasileira (FEB) alcançou, há exatos 80 anos, em 21 de fevereiro de 1945, a mais emblemática vitória militar da história do Brasil.

A conquista de Monte Castelo no âmbito da Segunda Guerra Mundial, derrotando importantes tropas nazistas ali posicionadas, ensejou a abertura de significativo campo para o avanço dos aliados, a derrubada da Linha Gótica alemã, a retomada de Bolonha e a posterior expulsão do exército de Hitler, sedimentando a libertação da Itália do fascismo.


Esta iniciativa logrou êxito após três tentativas frustradas em razão de inúmeras dificuldades a serem superadas, dentre elas o pedregoso terreno de montanha, o rigoroso inverno europeu e o posicionamento dos inimigos em terrenos elevados, munidos de poderosos armamentos.


Registre-se que, conforme narrativas consideradas referenciais, nos dias subsequentes àquele triunfo, de forma precisa entre 23 e 25 do referido mês, a FEB apresentou eficácia na disputa por La Serra. Em 5 de março, efetivou a ocupação de Castelnuevo.


A continuidade da ofensiva no princípio da primavera reluziu páginas da consagrada campanha, destacando-se, dentre outras, a dura e sangrenta vitória em Montese, onde soldados brasileiros tornaram-se exaltados, inclusive pelos adversários, por sua inegável demonstração de destemor e bravura.


Em seguida à descida dos Apeninos, vieram o sucesso em Collecchio, o cerco aos adversários e, em consequência, a imposição de rendição incondicional à 232ª Divisão Alemã em Fornovo.


Apenas a título de ilustração, o encerramento IIª Guerra é comemorado na Europa no Dia da Vitória, 8 de maio, portanto, menos de três meses depois das relevantes realizações dos comandantes e soldados brasileiros, devidamente inseridas na esfera de uma aliança de países que visava, na arrancada final, a conclusão de um conflito que atingira escala planetária.


Pretende-se neste texto, a exemplo de artigo publicado na mesma data do ano de 2020, no Jornal Metrópoles, quando da passagem dos 75 anos, ressaltar ações que se desenvolveram na véspera da tomada de Monte Castelo, desconhecidas por leitores ou historiadores que não se debruçaram sobre a mencionada publicação, desde então disponível no sítio deste expressivo meio de comunicação.

Necessário se faz, objetivando propiciar aos interessados adentrar no clima de uma operação de tal natureza, resgatar as egrégias atuações do Pelotão de Petrechos e do Pelotão de Fuzileiros, respectivamente comandados, na ocasião, pelos tenentes Dulcelino Tavares e Fredímio Trotta, na véspera e na madrugada do dia 21 de fevereiro de 1945.


Com o intuito de viabilizar uma melhor compreensão, deve-se mencionar que os citados pelotões pertenciam à 2ª Companhia que, na ocasião, era liderada pelo capitão Edson Ramalho, e fazia parte do 1° Batalhão, dirigido pelo major Olívio Uzeda, que integrava o 1° Regimento de Infantaria, conhecido como Regimento Sampaio, comandado pelo coronel Caiado de Castro.


No contexto em tela, exige-se retratar que ao apontado 1° Batalhão, conforme explicitado por um herói de guerra em material que até cinco anos atrás mantinha-se no âmbito da família, “cabia apossar-se das alturas de Fornace e Cota 875, situados a Oeste de Monte Castelo. Havia, até então, a previsão de que o ataque seria desencadeado ao amanhecer de 21 de fevereiro de 1945, mediante confirmação”.


Mudança de planos


Ocorreu, no entanto, que o tenente Dulcelino Tavares, de acordo com memórias esculpidas de próprio punho, foi chamado ao telefone de campanha por volta de 21h do dia 20 de fevereiro de 1945 pelo aludido capitão Edson Ramalho, comandante da 2ª Companhia. No diálogo, foi explicitado que “o Comandante do 1° Batalhão decidira apoderar-se do objetivo da 2ª Companhia – Fornace – à noite, de surpresa, precedendo o ataque geral de todo o Regimento”.


Em sequência, houve a resolução de que “essa missão caberia a mim, para o que levaria a Seção de Metralhadoras do meu Pelotão de Petrechos Leves e um Pelotão de Fuzileiros. Como ele não conhecia bem os comandantes de Pelotão e era eu o tenente mais antigo na companhia, mandou que eu indicasse o Pelotão de Fuzileiros. Surpreendeu-se quando indiquei o Pelotão do Trotta, uma vez que este acabara de assumir o comando e não conhecia em profundidade seus comandados. Argumentei com entusiasmo, a coragem, o ardor combativo e o meu antigo relacionamento profissional com o Trotta, tendo o capitão concordado com minha convicção”.


No telefonema, foi estabelecida mais uma recomendação: “Em caso de forte resistência, retornar à base de partida, para participar das atividades constantes dos procedimentos planejados para às 6h de 21 de fevereiro”.

De pronto, “reunimo-nos os dois tenentes e os sargentos dos dois pelotões e acertamos os detalhes da operação. Concluímos que deveríamos envidar todos os esforços no sentido de assenhorar-se do objetivo à noite, uma vez que seria um grande sacrifício retornar à base de partida e participar da incursão ao amanhecer, com a tropa cansada. Conversamos com os nossos soldados e os estimulamos, ficando todos cientes da nossa missão e das condições de execução.”


A explanação de Tavares prossegue: “A distância a percorrer era cerca de 1.500 metros e eu conhecia bem o terreno, pois já estava na base de partida havia dois dias e procurei assimilar os menores detalhes da nossa zona de ação. Partimos por volta das 23h, com um grupo de combate em 1º escalão e o restante em 2º. Os dois tenentes, Trotta e eu deslocamo-nos juntos, logo atrás do 1° escalão, acompanhados dos nossos dois mensageiros. Um carregava o rádio portátil transmissor e receptor. O outro desenrolava a bobina do fio telefônico, para comunicações com o Posto de Comando da Companhia”.


As considerações seguintes foram extraídas dos relatos de modo sintético, em virtude da abundância de detalhes. “A progressão aconteceu, aproveitando as dobras do terreno e as próprias crateras feitas pelas explosões das granadas. O deslocamento de ar de uma delas arrancou o capacete do Trotta.” Muitos tiros ecoavam enquanto os pelotões avançavam na suposta “terra de ninguém”, inclusive por parte das forças aliadas em “programa de preparação para o ataque matutino”.



Surpresa


“Inesperadamente, um dos nossos soldados tropeçou em um fio esticado, ouviu-se forte estalido seguido de pequena explosão, que projetou uma espécie de foguete que iluminou toda a área em que nos encontrávamos. Tratava-se de um dispositivo de alerta instalado pelo inimigo, que lhe permitia uma ótima visibilidade e a execução de tiros ajustados de metralhadoras. Tratamos todos de nos abrigar, deitados, aguardando a cessação do efeito iluminativo. Para feliz surpresa nossa, os inimigos não atiraram sobre nós, comprovando que o arrojo da decisão os surpreendeu, a cerca de 100 metros da linha de crista onde guardavam suas posições.”


A descrição minuciosa e concatenada do tenente sobre o processo de ascensão ao alvo permite internalizar as situações de risco e tensão a que estavam submetidos os componentes das relacionadas unidades, colocadas, antecipada e estrategicamente, na linha de frente das ações. A exposição dos fatos persiste:


“O dispositivo luminoso, se, de um lado, revelou ao inimigo a nossa presença, de outro, permitiu que descortinássemos o nosso objetivo, facilitando o rápido prosseguimento sobre ele. Rastejando, aproximamo-nos da crista e percebemos movimentos e vozes de soldados inimigos que, no entanto, não atiraram sobre nós.


Como não os víamos, tivemos o ímpeto de lançar granadas de mão em sua direção, mas nos controlamos e não o fizemos, uma vez que isso poderia dificultar a nossa missão, conquistar Fornace.“


A ênfase nas circunstâncias continua: “ante a total surpresa, abandonaram as posições e desceram a contra encosta na direção norte. Chegamos ao nosso objetivo e instalamos a nossa tropa em dispositivo defensivo quase que circular. Os alemães com certeza se apavoraram quando verificaram, por ocasião do feérico dispositivo luminoso, cerca de 50 soldados armados se aproximando de Fornace.”


“Entramos em uma casa semidestruída que havia na localidade, instalamos o telefone na ponta dos fios que estendemos ao longo do trajeto e nos comunicamos com o nosso capitão, que aguardava aflito nossas informações. Dissemos-lhes que Fornace estava em nossas mãos, tendo o inimigo abandonado com rapidez suas posições; que aguardávamos ansiosamente a vinda do restante da companhia, pois temíamos possíveis contra-ataques alemães.”


Exaustos, mas atentos


A realidade fática, mais uma vez, impunha-se ante àqueles combatentes. “Eram cerca de 3h de 21 de fevereiro e estávamos exaustos. O inimigo reagiu com tiros de morteiro sobre as posições que abandonaram, aparentando preparativos de contraofensivas”.


“O capitão, com o restante da 2ª Companhia, chegou a Fornace antes do amanhecer, de modo que quando o ataque geral teve início, às 6h, já estávamos de posse de Fornace, no flanco Oeste de Monte Castelo, apoiando a ação de outras companhias.”


“A operação sobre Fornace foi um êxito completo e de grande significado no conjunto geral da tomada de Monte Castelo. Tivemos muita sorte, mas também controle e determinação, uma vez que, não tendo cessado os tiros que caiam em área, fomos autorizados, sob nosso critério, a voltar para a base de partida. Porém, não o fizemos. Além disso, apreendemos em Fornace materiais e armamentos, inclusive duas metralhadoras e um morteiro.”


O ataque geral teve curso, cumprindo o roteiro estabelecido. Por volta das 18h, Monte Castelo estava ocupado pelos 1° e 3° Batalhões do Regimento Sampaio. Caíra, assim, aquela fortaleza alemã nas mãos dos nossos soldados, para glória do Exército Brasileiro, que em situações anteriores sofrera revezes, conforme realçado em parágrafo anterior.


A conquista de Fornace em caráter antecipado, precedendo e contribuindo para a missão macro delineada, embora pouco referenciada na atual literatura, mereceu, na época, referências enaltecedoras por parte de autoridades que ostentavam diversos níveis hierárquicos. Os tenentes Dulcelino Tavares e Fredímio Trotta foram elogiados em Boletim pelo Comandante do 1º Batalhão. Receberam honrosa Citação de Combate, assinada pelo general Mascarenhas de Morais, comandante da Força Expedicionária Brasileira na Itália. Em adição, restaram condecorados com a Cruz de Combate de 1ª Classe, medalha destinada a premiar ações meritórias individuais em combates.


Ademais, comprovadamente no caso do tenente Dulcelino Tavares, o comandante da FEB enviou ofício com cópia da Citação de Combate ao prefeito da cidade de Propriá, onde ele nasceu, localizada às margens do Rio São Francisco, no Estado de Sergipe.


No conteúdo, solicitava que se procedesse ampla divulgação dos feitos e medalhas do conterrâneo diante da comunidade. O reverenciado jornalista Joel Silveira, correspondente de guerra junto à Força Expedicionária Brasileira, os citou com relevo algumas vezes, inclusive na edição comemorativa da Revista do Clube Militar de março/abril de 1975, comemorativa do 30º aniversário da FEB.


Finalizando, enfatiza-se, neste cenário histórico, o reconhecimento lavrado pelo Exército aos tenentes Dulcelino Tavares e Fredímio Trotta que desempenharam, em sintonia com cada um dos heroicos integrantes do Pelotão de Petrechos e do Pelotão de Fuzileiros, todos pertencentes à 2ª Companhia do 1º Batalhão do 1º Regimento de Infantaria da Força Expedicionária Brasileira, notáveis participações na Tomada de Monte Castelo, bem como no transcurso da presença da FEB na Segunda Guerra Mundial. Em resumo, esses insignes combatentes fizeram jus a tais homenagens, pois travaram, como reais e ativos partícipes, uma destemida luta contra o nazismo e o fascismo, em defesa da liberdade.



(*) Henrique Luduvice é engenheiro civil, ex-presidente do CREA/DF, MÚTUA e CONFEA. Sobrinho do Herói de Guerra Dulcelino Tavares.

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