O QUE ACONTECE A UM POVO E A NAÇÃO QUE PERDE A SUA ENGENHARIA E O SABER FAZER?
“As coisas são mais belas quando vistas de cima.”
As invenções são, sobretudo, o resultado de um trabalho teimoso.
O que eu vi, o que nós veremos (1918).
Santos Dumont
![Projeto de Brasilia em forma de avião](https://static.wixstatic.com/media/0c1578_366cd2c8b852451d8ad3e1fe91c4f214~mv2.png/v1/fill/w_936,h_496,al_c,q_90,enc_avif,quality_auto/0c1578_366cd2c8b852451d8ad3e1fe91c4f214~mv2.png)
Por Miguel Manso
A engenharia, entendida como o "saber fazer" de um povo, transcende a mera aplicação de técnicas e tecnologias.
Ela é, antes de tudo, uma expressão cultural, um reflexo das necessidades, aspirações e valores de uma sociedade.
A engenharia se insere no contexto mais amplo do desenvolvimento social e da identidade nacional.
A Engenharia Nacional supera o empírico, desenvolve e aplica a ciência e a tecnologia, exige inovação e promove a prosperidade, propaga o saber, eleva esperanças na superação e domínio as forças hostis da natureza e do próprio homem, é uma fusão do conhecimento, do saber fazer, da inovação, da ciência, da ética, do respeito à natureza, e da cultura da nação a serviço da humanidade.
Ao longo da história, a engenharia tem sido um dos pilares e polo dinâmico do desenvolvimento humano, influenciando e sendo influenciada pela cultura, educação, inovação e soberania das nações.
Engenharia e Cultura: A Construção de Identidades
A engenharia é, em sua essência, uma manifestação cultural. prova da existência e soberania de um povo.
Desde as pirâmides do Egito até os arranha-céus modernos, as obras de engenharia refletem os valores, crenças e prioridades de uma sociedade.
Como observou o historiador Lewis Mumford, "a técnica é uma expressão da cultura, e a cultura é uma expressão da técnica" (Mumford, 1934).
As grandes obras de engenharia não são apenas feitas para atender a necessidades práticas, mas também para comunicar poder, espiritualidade, sociabilidade e identidade.
No caso do Brasil, por exemplo, a construção de Brasília na década de 1960 foi um marco não apenas de engenharia, mas também de afirmação cultural e política do Brasil.
A cidade, projetada por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, simbolizou a modernização do país e a busca por uma identidade nacional distinta, alinhada com os ideais de progresso e inovação.
Engenharia e Desenvolvimento Social
A engenharia tem um papel crucial no desenvolvimento social, pois é através dela que se constroem as infraestruturas necessárias para a melhoria da qualidade de vida das populações.
Estradas, pontes, sistemas de saneamento, habitação e energia são exemplos de como a engenharia pode transformar realidades sociais. Como afirmou o engenheiro e filósofo Henry Petroski, "a engenharia é a arte de direcionar as grandes fontes de energia da natureza para o uso e conveniência do homem" (Petroski, 1992).
No entanto, o desenvolvimento social não se limita à construção de infraestruturas.
A engenharia também deve estar alinhada com os princípios de sustentabilidade e inclusão.
A Agenda 2030 da ONU, por exemplo, destaca a importância da engenharia para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que incluem a erradicação da pobreza, a promoção da saúde e a garantia de acesso à energia limpa.
Engenharia e Inovação
A inovação é um dos pilares da engenharia moderna.
Desde a Revolução Industrial, a engenharia tem sido um motor de transformação, impulsionando avanços tecnológicos que redefiniram as sociedades.
A invenção da máquina a vapor, por exemplo, não apenas revolucionou a produção industrial, mas também alterou profundamente as estruturas sociais e econômicas da época.
No século XXI, a engenharia continua a ser um campo fértil para a inovação, especialmente com o advento de tecnologias como a inteligência artificial, a internet das coisas e a biotecnologia.
Essas inovações têm o potencial de resolver alguns dos maiores desafios da humanidade, como as mudanças climáticas e a escassez de recursos.
No entanto, como alerta o filósofo da tecnologia Langdon Winner, "as tecnologias não são neutras; elas carregam consigo valores e implicações sociais que devem ser cuidadosamente considerados" (Winner, 1986).
Engenharia e Educação
A educação em engenharia é fundamental para o desenvolvimento de uma nação.
Ela não apenas capacita profissionais para atuar no mercado de trabalho, mas também forma cidadãos críticos e conscientes de seu papel na sociedade.
A formação do engenheiro deve, portanto, ir além do ensino de técnicas e teorias, abrangendo também aspectos éticos, sociais e ambientais.
Historicamente, a criação de escolas de engenharia esteve intimamente ligada aos projetos de desenvolvimento nacional.
No Brasil, a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, fundada em 1874, foi uma resposta à necessidade de formar profissionais capazes de contribuir para a modernização do país.
Hoje, a educação em engenharia enfrenta novos desafios, como a necessidade de integrar conhecimentos multidisciplinares e promover a diversidade no campo.
Engenharia e Soberania Nacional
A engenharia também está diretamente relacionada à soberania de uma nação.
A capacidade de um país de projetar, construir e manter suas próprias infraestruturas e tecnologias é um indicador de sua autonomia e independência.
Durante a Guerra Fria, por exemplo, a corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética foi tanto uma disputa tecnológica quanto uma demonstração de poder e soberania.
No contexto brasileiro, a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu na década de 1970 foi um marco de soberania energética, consolidando o país como uma potência na geração de energia renovável.
Da mesma forma, o desenvolvimento da indústria aeronáutica, liderado pela Embraer, demonstrou a capacidade do Brasil de competir em um setor de alta tecnologia.
A engenharia, como saber fazer de um povo, é uma força motriz do desenvolvimento humano.
Ela está profundamente enraizada na cultura, influencia o desenvolvimento social, impulsiona a inovação, depende da educação e contribui para a soberania nacional.
Como afirmou o engenheiro e educador William A. Wulf, "a engenharia é a profissão do possível" (Wulf, 2000). Cabe às sociedades, portanto, garantir que esse "saber fazer" seja utilizado de forma ética, sustentável e inclusiva, em benefício de todos.
O que Acontece a um Povo e a uma Nação que Perde a sua Engenharia e o Saber Fazer?
A engenharia, como expressão do "saber fazer" de um povo, é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento econômico, social e cultural de uma nação. Quando um país perde sua capacidade de inovar, projetar e construir, ele não apenas enfraquece sua infraestrutura, mas também compromete sua soberania, identidade e futuro. Uma nação que perde sua engenharia e o saber fazer, sofre com os impactos na economia, na cultura, na soberania e no desenvolvimento humano.
A Perda da Engenharia e o Declínio Econômico
A engenharia está diretamente ligada à capacidade produtiva de uma nação.
Sem uma base industrial e tecnológica robusta, um país fica dependente de importações para suprir suas necessidades básicas, desde infraestrutura até bens de consumo. Como observou o economista Ha-Joon Chang, "a industrialização é o caminho mais seguro para o desenvolvimento econômico, e a engenharia é o coração da industrialização" (Chang, 2002).
Quando uma nação perde sua engenharia, ela perde também a capacidade de gerar empregos de alta qualidade e de agregar valor à sua economia. Isso resulta em uma dependência crônica de tecnologias e produtos estrangeiros, o que pode levar a um ciclo vicioso de desindustrialização e estagnação econômica. Um exemplo histórico é o caso de algumas nações africanas que, após a descolonização, não conseguiram desenvolver uma base industrial própria, tornando-se dependentes de commodities e importações.
A Erosão da Cultura e da Identidade Nacional
A engenharia não é apenas uma atividade técnica; ela é também uma expressão cultural. As grandes obras de engenharia, como pontes, edifícios e sistemas de transporte, são símbolos de identidade nacional e orgulho coletivo. Quando um país perde sua capacidade de projetar e construir, ele também perde parte de sua identidade cultural.
O historiador David Edgerton argumenta que "a tecnologia é uma forma de cultura material, e sua perda representa uma erosão da memória coletiva e da capacidade de um povo de se reinventar" (Edgerton, 2007). Um exemplo disso pode ser visto em países que, após períodos de colonização ou dominação estrangeira, perderam suas tradições de construção e engenharia, resultando em uma desconexão com seu passado e uma fragilização de sua identidade nacional.
A Dependência Tecnológica e a Perda de Soberania
A perda da engenharia e do saber fazer tem implicações profundas para a soberania de uma nação. Um país que não é capaz de desenvolver suas próprias tecnologias e infraestruturas torna-se dependente de outros para garantir sua segurança, energia, transporte e comunicação. Essa dependência pode limitar a autonomia política e econômica de uma nação, tornando-a vulnerável a pressões externas.
Durante a Guerra Fria, por exemplo, muitos países em desenvolvimento tornaram-se dependentes de tecnologias e assistência técnica das superpotências, o que limitou sua capacidade de tomar decisões independentes.
Como alertou o filósofo da tecnologia Langdon Winner, "a dependência tecnológica é uma forma de colonialismo moderno, onde o controle sobre as ferramentas de produção e inovação determina o poder real" (Winner, 1986).
O Impacto na Educação e na Inovação
A engenharia é um campo que depende fortemente da educação e da pesquisa. Quando uma nação perde sua capacidade de formar engenheiros e de investir em pesquisa e desenvolvimento, ela compromete seu futuro. A falta de investimento em educação técnica e científica resulta em uma fuga de cérebros, onde os talentos migram para países que oferecem melhores oportunidades.
Além disso, a perda da engenharia afeta a capacidade de inovação de uma nação.
Como observou o economista Joseph Schumpeter, "a inovação é o motor do crescimento econômico, e a engenharia é a disciplina que transforma ideias em realidade" (Schumpeter, 1942).
Sem uma base de engenharia forte, um país fica à margem das revoluções tecnológicas, perdendo oportunidades de desenvolvimento e competitividade global.
A perda da engenharia e do saber fazer tem consequências devastadoras para um povo e uma nação. Ela leva ao declínio econômico, à erosão da cultura e da identidade, à dependência tecnológica e à perda de soberania.
Além disso, compromete a educação e a capacidade de inovação, condenando o país a um futuro de estagnação e subdesenvolvimento.
Para evitar esse cenário, é essencial que as nações invistam em educação técnica, pesquisa e desenvolvimento, e promovam políticas que fortaleçam sua base industrial e tecnológica.
Como afirmou o engenheiro e educador William A. Wulf, "a engenharia é a profissão do possível, mas sem ela, o possível se torna impossível" (Wulf, 2000).
Cabe aos governos, às instituições educacionais e à sociedade como um todo garantir que o saber fazer de um povo - A ENGENHARIA seja preservada e valorizada, como um legado para as gerações futuras.
*Miguel Manso é Engenheiro Eletrônico formado pela USP, com especialização em Telecomunicações pela Unicamp e Inteligência Artificial pela UFViçosa - Coordenador de Políticas Públicas da EngD – Engenharia pela Democracia - e pesquisador do Grupo de Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois
Referências
Chang, H.-J. (2002). Kicking Away the Ladder: Development Strategy in Historical Perspective. Anthem Press.
Edgerton, D. (2007). The Shock of the Old: Technology and Global History since 1900. Oxford University Press.
Schumpeter, J. A. (1942). Capitalism, Socialism and Democracy. Harper & Brothers.
Winner, L. (1986). The Whale and the Reactor: A Search for Limits in an Age of High Technology. University of Chicago Press.
Wulf, W. A. (2000). "The Urgency of Engineering Education Reform." Journal of Engineering Education, 89(3), 285-286.
Mumford, L. (1934). Technics and Civilization. Harcourt, Brace & World.
Petroski, H. (1992). To Engineer is Human: The Role of Failure in Successful Design. Vintage Books.
Winner, L. (1986). The Whale and the Reactor: A Search for Limits in an Age of High Technology. University of Chicago Press.
Wulf, W. A. (2000). "The Urgency of Engineering Education Reform." Journal of Engineering Education, 89(3), 285-286.
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