Por Isabel Perez e Amaury Monteiro Jr.
De tempos em tempos, eventos fatídicos da nossa história voltam a assombrar os sobreviventes dela, tanto para o bem como para o mal.
O aspecto postivo aparece quando estes eventos emergem das sombras servindo para nos lembrar de evitarmos os erros do passado, os enganos, os delírios, os atropelos, de modo a nos constituirmos mais fortes, mais sábios e melhor organizados para enfrentar os desafios da realidade atual.
O aspecto trágico surge quando tais sombras insistem em se esconder nos recantos de algumas ideias, propagadas apenas nos espaços privados ou, por outro lado, se
evidenciam nas propostas de alguns protagonistas de peso, declaradas em alto e bom
som nos espaços públicos, com a intenção de reeditar o que há de pior em nossa história. Mas, afinal, de que estamos falando?
O novo governo, eleito democraticamente em outubro de 2022, mal assumiu e já teve que enfrentar toda sorte de ameaças. Da invasão e depredação dos palácios dos três poderes, nos primeiros dias de janeiro de 2023, até o constante cinismo de um Banco Central tido como “independente”, mas que depende dos interesses do mercado financeiro e que insiste em chantagear o governo pretendendo destruir o que resta da economia com sua taxa de juros SELIC escorchante e recessiva.
Não bastassem esses dois eventos, Artur Lira, Presidente da Câmara dos Deputados,
apoiado por um “centrão” viciado em “orçamento secreto”, herança do governo anterior, se utiliza de meios espúrios para fabricar crises e com isso garantir vantagens pouco republicanas, assegurando a ele e a seu grupo um papel para o qual não foram eleitos, o de condutores das prioridades, das políticas e dos investimentos para esse país.
Contrariando o rito estabelecido pela Constituição Federal, Lira criou e está fortalecendo uma grande crise institucional, onde advoga o desequilíbrio estabelecido na Constituição Federal entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.
Com essa nova demanda, onde a Câmara dos Deputados passaria a ter a maioria nas Comissões Mistas do Congresso, tenta manter sob sua tutela todos os projetos e decretos pautados para votação no Congresso Nacional, criando mais uma válvula de negociações e poder para ele e seu grupo. Em consequência, o Congresso encontra-se paralisado, Medidas Provisórias de interesse do governo correm o risco de caducar, assim como o andamentode proposições importantes para o avanço do país ficam totalmente travadas. E nãopodemos nos enganar, essa é mais uma peça do tabuleiro sendo mexida para desestabilizar um governo legitimamente eleito e empossado.
Março, mês que nossa história política reputa como significativo, traz-nos de volta à
lembrança, anualmente, os trágicos eventos da ditadura empresarial-militar que tomou conta do país por 21 anos. Enquanto muitos pranteiam seus/suas mortos/as e
“desaparecidos/as”, buscando resgatar a memória e a verdade sobre estes/as mártires -para que nunca mais aconteça - outros insistem em homenagear os algozes fardados, psicopatas moralistas e assassinos que, em nome de Deus, Pátria e Família, cometeram terríveis atrocidades contra a humanidade, desejando mesmo revivê-las e reimplantálas, sem nenhum pudor.
Não nos enganemos: as ameaças continuam presentes, o jogo ainda não foi ganho, as sombras ainda estão fortes, organizadas e nos acompanhando. Nossa história é
recheada de golpes, civis e/ou militares (a própria instauração de nossa república é
produto de um golpe). Em certa altura, num passado não tão distante, abrigamos o
maior agrupamento fascista fora da Europa, sob a forma de um partido, o Integralista.
Nos últimos cinco anos, “em nenhum país o neonazismo cresceu tanto quanto no Brasil”, diz o historiador Michel Gherman. E não apenas isso: o país se armou, constituiu milícias, aparelhou forças policiais de Estado, cooptou setores importantes das Forças Armadas, enfim se preparou para mais um golpe.
Carregamos a pecha de ser o país que formalmente aboliu a escravidão mais
tardiamente no mundo e não temos vergonha em oferecer as mais esfarrapadas
justifictivas para as escandalosas denúncias de trabalho escravo estampadas quase
diariamente no noticiário brasileiro. Tampouco nos envergonhamos de ser uma das
nações que mais assassina suas mulheres, suas meninas, seus/suas negros/as, seus/suas jovens periféricos/as.
Um dos líderes das sombras pretende retornar ao país nesta última semana de março, certamente a tempo de organizar alguma provocação espetaculosa para manter protagonismo nas diversas mídias, de modo a pautar os debates e insuflar sua massa de fanáticos seguidores contra o governo Lula. Está em jogo não apenas abalar a boa governança de Lula, mas a disputa das eleições municipais de 2024 que estão logo ali, na esquina, e nas quais as sombras querem cravar seus dentes vampirescos e abocanhar algo em torno de mil prefeituras. Além do que, esperam retornar ao poder em 4 anos com força e estridência. Apoiados num Congresso Nacional onde têm grande representatividade, na mídia conservadora, em grupamentos religiosos neopentecostais e numa ampla estrutura armamentista, montada nos 4 anos em que foram governo, com certeza vão dar muito trabalho para as forças progressistas que precisarão se reinventar.
As sombras não vão dar descanso ao novo governo. Há quem não sobreviva sob a luz, porque, tal qual vampiros, agem melhor na escuridão. Precisamos estar atentos, nos organizar e lutar para trazer luz sobre tais sombras.
Isabel Perez – Assistente Social, professora, Doutora em Educação. Apoiadora do
Movimento Geração 68 e do Fórum 21.
Amaury Monteiro Jr. – Engenheiro Civil, professor, Mestre Meio Ambiente e Sustentabilidade. Apoiador Movimento Geração 68 e membro do Conselho Deliberativo do movimento Engenharia pela Democracia - EngD
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