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Cládice Diniz | A igualdade de gênero em busca do timbre “melhorado pela engenharia”



Neste 23 de junho se celebra o Dia Internacional da Mulher na Engenharia, festividade liderada mundialmente pela organização inglesa Women's Engineering Society (WES), que lhe deu origem ao instituir, em 2014, a comemoração na Inglaterra do Dia Nacional da Mulher na Engenharia, para apresentar sucessos e conquistas das engenheiras, em homenagem ao 95º aniversário de sua fundação.

 

Essa efeméride veio ao encontro do que preconizou a Unesco dois anos antes, em 8 de março de 2012, nas comemorações do Dia Internacional da Mulher, na oficina “Mulheres na Engenharia: Importância e Desafios”, abrindo internacionalmente essa discussão, centrando em busca de respostas às questões-chave do crescimento equitativo e inclusivo, do desenvolvimento sustentável e da resiliência da sociedade, alertando que nos 84 países que a compunham a maioria do pessoal na engenharia era de homens. A igualdade das mulheres é parte integrante do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, na Agenda 2030, promovida por esse órgão da ONU.

 

A WES é, senão a mais antiga, a mundialmente mais conhecida das associações de mulheres na engenharia. Foi fundada em 1919 por seis mulheres – Lady Katharine Parsons, Rachel Parsons, Janetta Mary Ormsby, Margaret Rowbotham, Margaret Moir e Laura Ann Wilson –, pioneiras que vivenciaram a 1ª Guerra Mundial trabalhando em funções de engenharia e que, ao seu término, não estavam dispostas a deixarem suas carreiras profissionais bem-sucedidas em prol de acomodar os homens que retornavam ao mundo do trabalho e se dispuseram a capacitar na área outras mulheres.

 

Para se ter noção do papel de vanguarda dessas pioneiras para o mundo, observa-se que, no Brasil, em 1917, quase à mesma época em que elas iniciaram suas reivindicações em grupo de se manterem nos trabalhos, formava-se a primeira engenheira.

 

Interessante observar que, segundo seu site, a WES tem por valor que a diversidade e a inclusão promovem um futuro mais inovador e próspero para todos, podendo inspirar futuros profissionais inovadores. Outro ponto a ser comentado é sua constituição que busca incluir a todos os interessados em participar, de todas as origens e áreas de especialização. Seus membros plenos são mulheres com qualificações ou experiência nas áreas de engenharia, tecnologia (incluindo tecnologia da informação (TI)) ou ciências, sendo os engenheiros do sexo masculino e homens e mulheres que não sejam engenheiros, tecnólogos ou cientistas categorizados, conforme as possibilidades, como membros associados ou membros estudantes associado ou apoiadores ou fellows, que são os doadores com contribuição notável ao incentivo das mulheres em STEM.

 

Destaca-se do que apresenta na Internet a sua forma de buscar seus membros, apoiadores e parceiros, que pode servir de diretriz para organizações similares, na qual destaca a vantagem propiciada pela oferta de acesso direto à extensa rede que a compõe, com possibilidade de compartilhamento de conhecimento e experiência com os outros parceiros. Especialmente para organizações, oferece como estímulo à parceria, as vantagens de receberem suporte personalizado à sua equipe técnica feminina, como também: desenvolvimento do programa empresarial de diversidade e inclusão; recrutamento de funcionários nos eventos de networking, conferências, anúncios de emprego e promoção de marca, promoção de ofertas de trabalho em seu site e em sua comunidade social de mais de 40 mil seguidores; o apoio à equipe técnica feminina com acesso para as engenheiras e cientistas a eventos personalizados de liderança, desenvolvimento pessoal e networking; e espaço para partilhar boas práticas com os outros parceiros em sessões regulares de colaboração onde são abordados tópicos relevantes, bem como melhorar o perfil organizacional pelo incentivo a meninas a verem a engenharia como uma opção de carreira e pelo aumento da diversidade e inclusão no setor de engenharia.

 

O Inwed

 

Ao longo do tempo, a WES manteve seu significativo objetivo original, de capacitação de mulheres na engenharia, acrescentando o da promoção da igualdade de género nos espaços de suas atuações profissionais, passando a ser referência mundial, inclusive quanto à criação do dia das mulheres na engenharia, que de nacional passou a internacional em 2017, ao receber o patrocínio da Unesco nesse evento, ao que se seguiram as adesões de inúmeras organizações em vários países.

 

Com isso, alterou-se o nome para refletir essa internacionalização, mantendo-se a contagem dos eventos, o que leva a se estar festejando em 2024 o 11º Dia Internacional da Mulher na Engenharia, bem conhecido por sua sigla INWED, criada pelas iniciais do nome original, em inglês, que é International Women in Engineering Day. O tema deste ano é “Melhorado pela Engenharia”, com palavra de ordem sendo #EnhancedByEngineering, com o que se busca destacar o impacto positivo que a engenharia traz a vida cotidiana.

 

Há um conjunto de conhecimentos que apontam para o acerto dessa promoção, onde se destaca o papel dos modelos (role model), de se apresentar fatos relativos a pessoas reconhecidas e que, por identificação, inspiram determinados comportamentos prestigiados e necessários para alcançar determinados objetivos desejados na vida de uma pessoa, sendo este mais efetivo se tiver o mesmo gênero do observador e for da mesma área de interesse.

 

É o caso da apresentação frequente da biografia da engenheira civil Enedina Alves Marques, primeira engenheira negra no Brasil, em eventos e páginas comemorativos da área da engenharia e/ou de equidade racial. Com a busca dessa função de role model, encontram-se inúmeras comemorações do dia 23 de junho na internet se constituindo de entrevistas com profissionais com sucesso profissional alcançado por meio de específico comportamento que é tido por seus realizadores como exemplar.

 

Outro item que é considerado nas discussões comemorativas de 23 de junho é o da necessidade de aumentar o quantitativo de mulheres nas carreiras de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM). Uma razão é, entre outras, que suas necessidades sejam devidamente atendidas nas soluções de engenharia e tecnologia, evitando a elaboração por homens para os homens. De uma forma geral, com maior representação de mulheres na inovação, também melhora a segurança e acessibilidade de novas invenções.

 

Para ilustrar essa afirmação de resultados negativos do desenvolvimento de produtos e serviços por homens de forma preponderante, são apresentadas pela Unesco três casos, citados no estudo de Guenaga et al. (2022), sendo o primeiro a do aumento do risco para mulheres de ferimentos em acidentes automobilísticos porque os testes de colisão automóvel são feitos com modelos à medida do homem médio, sendo superior em 47% aos homens, e um risco de morte maior em cerca de 17%. Outro exemplo é do Google Voice e o Apple Siri que inicialmente “respondiam menos frequentemente às perguntas das mulheres que dos homens devido às bases de dados estarem polarizadas com dados masculinos”. O terceiro caso é de a concessão de linhas de crédito no sistema bancário inferiores às mulheres apesar de estas apresentarem indicadores de solvência iguais ou superiores aos dos homens.

 

Melhorando pela Engenharia e Democracia

 

A baixa representação das mulheres nas carreiras STEM causa preocupação também pelo fato que as levam a maior distância dos empregos prestigiados, relacionados com a inovação, o bem-estar social e o desenvolvimento sustentável, o que piora à medida que as economias se tornam mais dependentes de tecnologias como as da Inteligência Artificial (IA).

 

Curiosamente, no Brasil, pouco se tem falado neste 23 de junho sobre temas que foram caros nas comemorações de 8 de março passado, no Dia Internacional dos Direitos das Mulheres, como o do assédio no trabalho, da violência doméstica, do feminicídio, das barreiras de liderança (“o teto de vidro”), da igualdade salarial e da equidade nas oportunidades, entre outros. Uma explicação é que a comemoração do 23 de junho ainda não foi fortemente abraçada pelas organizações com escopo de enfrentamento das mazelas elencadas acima, como os sindicatos e associações profissionais.

 

Por outro lado, tomando como base a experiência relatada pela WES, curiosamente podem vir a ocorrer melhorias consideráveis a partir de medidas das empresas empregadoras de engenheiros, caso elas se apoiem em orientações de organizações associativas que sinalizem as mudanças necessárias no ambiente corporativo, seja quanto aos comportamentos ou seja, entre tantas outras possibilidades, em mudanças nas estruturas e processos organizacionais. A adoção de mecanismos de busca de equidade nas oportunidades e igualdade salarial para as mulheres, por meio de planos de ação, indicadores e métricas e estilos de liderança inclusivos; incorporação de eliminadores de viés em sistemas, como de pagamento e remuneração; ou ainda implementando mentoria para eliminação das desigualdades, são alternativas possíveis.

 

Dessa forma, a Engenharia pela Democracia se une a todas as organizações do mundo para parabenizar as engenheiras e profissionais STEM nesta data, convidando-as a participarem das atividades em prol dessa causa, de forma que o ambiente da Engenharia venha a ser continuadamente melhorado por suas engenharias.

 

 

* Cládice Nóbile Diniz é vice-coordenadora da EngD (Engenharia pela Democracia)

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