O governador de São Paulo quer fazer “a maior privatização do Brasil nos próximos anos”. Desde a campanha eleitoral de 2022, Tarcísio de Freitas (Republicanos) anuncia o compromisso de vender a Sabesp, uma das maiores e mais bem-sucedidas companhias de saneamento básico do mundo.
Em geral, para justificar privatizações, governantes falam em tirar o Estado de áreas não essenciais, melhorar a qualidades dos serviços, ampliar a cobertura de atendimento, abaixar a tarifa ou acabar com prejuízos milionários para os cofres públicos. No caso da Sabesp, nenhuma dessas razões se sustenta, a começar pelo econômico.
Com valor de mercado estimado em R$ 37 bilhões, a empresa, presente em 375 municípios paulistas, abastece 28,4 milhões de pessoas com água e 25,2 milhões com coleta de esgotos. O lucro líquido registrado pela companhia foi de 2,3 bilhões em 2021 e de R$ 3,1 bilhões no ano passado.
Embora a Sabesp seja uma empresa mista, com ações negociadas na B3 e na Bolsa de Nova York, seu acionista majoritário, com 51%, ainda é o governo de São Paulo. Além de não onerar as contas públicas, a Sabesp eleva ano a ano o orçamento estadual. Foram nada menos que R$ 436 milhões em dividendos para o governo estadual no ano passado – e esses recursos são destinados para outros setores. Sem contar os investimentos da própria empresa – o equivalente a um terço do total nacional. Cerca de R$ 26,2 bilhões serão investidos nos próximos anos.
A promessa de tarifas mais baixas, em caso de privatização, tampouco é garantida. No Rio de Janeiro, após desestatização da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), houve o inverso – a conta de água cresceu tanto que impactou a inflação local. Desde os leilões em bloco da companhia na distribuição, em 2021, os valores cobrados dos usuários cresceram mais de 300%. A tarifa residencial no Rio passou a ser 71% mais cara do que a de São Paulo.
Em Manaus – outro caso emblemático –, nenhuma empresa consegue corresponder às exigências básicas do contrato de concessão. Desde a privatização do saneamento, em 2000, quatro grupos empresariais já assumiram o setor. O último, a companhia Água de Manaus, já foi alvo de três inquéritos parlamentares. As tarifas estão entre as mais altas do País, e menos de um quarto da capital do Amazonas recebe esgotamento sanitário.
Tampouco as garantias de qualificar os serviços e ampliar o atendimento fazem sentido. Segundo o Ranking do Saneamento, do Instituto Trata Brasil, das dez melhores cidades do Brasil em oferta de saneamento básico, nove tem controle público – e quatro estão em São Paulo. Todas as cidades atendidas pela Sabesp alcançaram a universalização do abastecimento de água – e somente 10% ainda não têm saneamento básico universal. Não existe em nenhum estado padrões similares ao da Sabesp.
A rigor, a empresa só não consegue atuar em áreas em que o Estado ainda não chegou com uma urbanização mínima – por exemplo, alguns assentamentos precários em áreas de risco. Mesmo assim, o serviço não deixou de ser prestado porque a empresa é pública ou privada – mas porque sua instalação é tecnicamente inviável. Em contrapartida, aonde a Sabesp chega, há um reconhecimento indubitável pela qualidade do serviço e pela abrangência da cobertura.
Por fim, se não tem a visibilidade de áreas como Educação e Saúde, o setor é igualmente um serviço público essencial – um direito de todos os cidadãos. A grande elevação na expectativa de vida da humanidade no século 20 se deveu não apenas ao antibiótico, às vacinas e a outras descobertas científicas – mas também à água tratada em escala global. Tanto que, em todo o mundo, o saneamento passa por processos de reestatização desde a década passada, devido aos impactos negativos causados pela privatização, incluindo tarifas mais altas.
Segundo a ONU, para cada US$ 1 investido em saneamento, US$ 4,3 são economizados em saúde pública. Não por acaso, ativistas nos lembram, diuturnamente, que “água é saúde” e que “água é vida”. Um caso recente no Brasil evidencia essa relação. No início da pandemia de Covid-19, o desabastecimento em áreas vulneráveis impediu que famílias pudessem praticar um dos cuidados mais simples de prevenção ao novo coronavírus – a lavagem das mãos. Assim, o número de casos e mortes disparou nas periferias das grandes metrópoles.
Todas essas dimensões são desconsideradas pelo governo Tarcísio de Freitas, que põe em risco a maior companhia de saneamento básico do País e uma das maiores do mundo. O mercado espera uma onda de privatizações no setor, que inclua, além da Sabesp, empresas como a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) e a Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná).
É preciso resistir à privataria de uma área estratégica e essencial para o País. Ao afrontar o interesse público que está em jogo, Tarcísio precisará responder nos âmbitos político e jurídico. Mas, antes que esse retrocesso se consume, é necessário construir uma ampla resistência política e social – com prefeitos, parlamentares e lideranças políticas, sindicatos e movimentos sociais, empresários e o meio acadêmico, a juventude e a intelectualidade, as religiões e o mundo da cultura e das artes.
Uma grande onda de reuniões, atividades e manifestações junto à opinião pública poderá fortalecer essa campanha em defesa da vida e do saneamento público para todos. Precisamos de uma rebelião cívica, como a que fizemos sob a pandemia de Covid-19 para defender o Instituto Butantã e a Fiocruz na luta pela produção da vacina contra novo coronavírus. É hora de o estado de São Paulo reavivar suas tradições libertárias e pegar essa bandeira vitoriosa pela qualidade de vida de todos os paulistas. A Sabesp pública é bom para você e é bom para São Paulo. Não à venda da Sabesp!
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