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Formando engenheiros protagonistas

Antônio Valdo de Alencar


Engenharia e humanidades



Laboratório de eletrônica da Escola de Engenharia da UFMG


Preâmbulo


As Engenharias brasileiras se preparam para realizar um grande fórum nacional.

Entre os seus objetivos, ganha destaque a discussão sobre como alcançar maior protagonismo da Engenharia na vida política, social e econômica do País.


Apesar do otimismo daqueles que se entusiasmam pela perspectiva de o Fórum vir a reunir alguns do mais destacados engenheiros, agrônomos e geocientistas do País, a sua simples realização [realização do Fórum] é insuficiente para oferecer o impulso necessário à conquista do protagonismo desejado. É inegável que a realização de um encontro da magnitude pretendida é importante, especialmente porque cria a ambiência favorável aos debates e às conversas, mas isto constitui apenas um ‘ponta-pé’ inicial do processo.


O protagonismo desejado


Para o Fórum ter consequência objetiva neste aspecto, há a necessidade de clara definição do alcance do termo ‘protagonismo’, possibilitando a orientação dos esforços no sentido da meta pretendida.


De fato, é fundamental saber exatamente aquilo que se quer dizer com o termo ‘protagonismo’ - especialmente naquilo que se refere ao agente do qual se espera o exercício da influência sobre os mecanismos de decisão e de formação de opinião.

Vale lembrar que, em muitas quadras da história do País, empresas de engenharia exerceram enorme poder sobre as três esferas de governos e isto, além de enriquece-las (enriquecer as empresas), não representou o ‘protagonismo da Engenharia’ desejado, pois não deu qualquer contribuição para o exercício da soberania nacional, para o crescimento econômico inclusivo ou para a conquista de patamares superiores de bem-estar social.

Para que a Engenharia possa alcançar a condição de efetivo protagonismo no processo político, social e econômico, há a necessidade de esta condição ser exercida por aqueles que diretamente a operam. Enquanto os engenheiros, arquitetos, agrônomos e geocientistas não estiverem prontos para exercer protagonismo político, social e econômico, não há como se falar em Protagonismo das Engenharias - no máximo haverá protagonismo de algumas empresas de algumas entidades e de alguns líderes profissionais, mas não protagonismo das Engenharias.


O engenheiro apático


Como fazer dos engenheiros, arquitetos, agrônomos e geo cientistas efetivos agentes do processo que dará protagonismo político, social e econômico às Engenharias?


Primeiro, há que se reconhecer a dificuldade do nosso pessoal se ver como ‘protagonista’ e, mais ainda, de ‘ver’ o mundo a ser melhorado e o papel que pode exercer neste processo.


Por razões de natureza políticas ou outras quaisquer, não é comum, por exemplo, um engenheiro ‘ver’ na pessoa ao desabrigo na rua a necessidade de o Estado resolver a questão da carência habitacional e sequer atenta que a solução do problema daquela pessoa representa a celebração de negócios para as empresas construtoras e empregos para o pessoal do setor.


Via de regra, por falta de sensibilidade, desconhecimento da própria força e responsabilidade ou outras razões quaisquer, os engenheiros mantém comportamento passivo até que alguma autoridade decida dar solução aos problemas (que estão a olhos vistos, mas ele não vê).


Aí, por convocação de um empreendimento decidido por alguém com poder político suficiente para tal (eventualmente incomodado pelo fato de a decisão ter sido tomada por alguém de formação acadêmica alheia ao seguimento técnico e que, no seu entender, [a decisão] poderia ter sido melhor caso a autoridade fosse ‘do ramo’), o engenheiro se apresenta e, então, revela o seu conhecimento e competência, cumprindo todas as etapas necessárias com a qualidade exigida no projeto.


Possibilidade desperdiçada


Caso estivesse atento para as necessidades sociais superáveis pelo emprego da Engenharia, ao invés de esperar por uma eventual decisão ‘alheia’, os engenheiros poderiam, desde o começo do processo, exercer a pressão para que as obras e serviços necessários para a construção do mundo que querem fossem realizados, exercendo o protagonismo desejado.


Se é o construtor do mundo artificial e, nesta condição, o parceiro menor da obra de Deus, não deveria ser difícil ao engenheiro exercer protagonismo nos processos decisórios e de formação da opinião pública.


E por que isto não ocorre?


Dando protagonismo aos engenheiros


Aplicando as técnicas de engenharia reversa, descobrir o porquê da apatia dos engenheiros abre caminho para o processo capaz de dar-lhes as ferramentas necessárias para o exercício do protagonismo desejado e passar a figurar entre os principais artífices da construção da história.


O comportamento passivo do engenheiro diante do processo de construção da História não é natural e parece ter sido nele inculcado artificialmente. De fato, como o profissional responsável pela condução da Engenharia - área do conhecimento presente em quase tudo no mundo circundante (a Engenharia só não está presente nas regras de convívio e nas matérias biológicas naturais) - [por que o engenheiro] tem tão baixa participação no processo decisório que leva a construção deste mundo?


Este ‘acanhamento’ é prejudicial não só aos próprios engenheiros - que deixam de influenciar especialmente as etapas iniciais do processo -, mas, também, é prejudicial à sociedade - que deixa de receber a contribuição de um profissional qualificado) no processo que leva às decisões sobre o mundo em construção.


Despertando o protagonismo


Contrariando o pensamento de alguns, parece claro que o comportamento passivo (para não dizer apático) atualmente verificado nos engenheiros lhes é inculcado ainda nos cursos de graduação - um momento no qual, por razões curriculares, prestigiando principalmente a formação teórica baseada no campo delimitado pela lógica formal, lhes é negado o acesso a disciplinas capazes de desenvolver a consciência crítica e o sentimento artístico.


Aliás, o tipo de currículo adotado no cursos de graduação das Engenharias desperta a ideia de que os Estabelecimentos de Ensino se empenham em entregar à sociedade, não profissionais capazes de compreender e avaliar a realidade circundantes para propor soluções para os problemas, mas colocar à disposição do mercado de trabalho profissionais capazes apenas de executar planos pensados por outros.


Não ocorreu sem razão, por exemplo, a inércia dos engenheiros por ocasião dos ataques sofridos pela Engenharia brasileira durante a caça às bruxas levada adiante pelo esforço lesa-pátria perpetrado pela LavaJato e que redundou na quase destruição da construção pesada brasileira, no fechamento de milhares de empresas e na extinção de milhões de empregos. Naquela ocasião, sem conseguir ver ou interpretar a realidade que oprimia a Engenheira (e, com isso, a possibilidade de ela [a Engenharia] contribuir com a resistência em favor da soberania nacional, do crescimento econômico inclusivo e do bem-estar social), muitos engenheiros se colocaram ao lado do verdugo, dando o tiro-no-pé que provocou tanta desgraça no País. Se tivessem tido a consciência crítica e o sentimento artístico [despertados e estimulados por ocasião da formação acadêmica], os engenheiros teriam reagido e não teriam sido cúmplices da própria desgraça.


Sobre os cursos de graduação na área das engenharias


Recentemente, ao especular sobre o número de modalidades da Engenharia, o Clube de Engenharia de Pernambuco listou cerca de 520 tipos. Um número espantoso e que tende a crescer em função do desenvolvimento científico e tecnológico.

Evidentemente, não há correspondência entre o número de modalidades e o número de cursos de graduação na Engenharia.


Na realidade, como ocorre nas outras profissões, a maior parte das modalidades da Engenharia decorre de aprendizados adquiridos em cursos de pós-graduação ou desenvolvidos ao longo da vida profissional.


Na prática, os aprendizados adquiridos nos cursos de graduação oferecem aos profissionais uma base de construção de raciocínios e de conhecimentos sobre e a partir das quais se assentam e se desenvolvem os novos conhecimentos e as habilidades profissionais digamos definitivas.


Nesta perspectiva, por mais que alguns resistam à ideia, os cursos de graduação formam engenheiros generalistas [nas respectivas modalidades], que aprimoram a formação através do aprendizado prático nos ramos profissionais escolhidos e dos cursos de pós-graduação - aperfeiçoamento, especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado.


O engenheiro consciente


Se formam engenheiros generalistas (nas respectivas modalidades), sem prejuízo daquilo que já fazem, os cursos de graduação podem oferecer a ambiência acadêmica para o desenvolvimento de outras preocupações, de modo a despertar sensibilidades e dar ao jovem engenheiro maior consciência da importância politica, econômica e social da Engenharia.


A reforma conceitual dos cursos de graduação pressupõe, evidentemente, um melhor preparo acadêmico dos alunos (os egressos do Ensino Médio não podem chegar à Graduação com deficiências de conhecimento das matérias focadas nas matemáticas e ciências da natureza) e [requer] a introdução privilegiada de disciplinas voltadas para a formação do 'engenheiro consciente' - humanidades, filosofia, sociologia, arte, cultura, etc.


Vale dizer que, justamente pela consciência crítica e sensibilidade artística adquirida na Graduação, é de se esperar que o ‘engenheiro consciente’ se empenhe com afinco nos cursos de pós graduação e de aperfeiçoamento profissional necessários a valorização profissional da área por ele escolhida.


Naturalmente, desse ‘engenheiro consciente’ não se pode esperar a solução de todos os problemas do País. Afinal de contas, ele [o ‘engenheiro consciente’] não tem necessariamente o poder político requerido às decisões e à alocação dos recursos exigidos à sua implementação [implementação das decisões]. A contribuição desse ‘engenheiro consciente’ ocorre como natural consequência da sua consciência crítica e da sua sensibilidade artística, não só colocando temas de importância na pauta de discussões e cobrando decisões dos homens públicos, mas, também, tornando mais rigoroso o processo eleitoral.


Antônio Valdo de Albuquerque é engenheiro e Secretário-geral do Clube de Engenharia de Pernambuco

Este texto integra os debates do Fórum Nordeste da Engenharia Nacional, cuja programação você confere aqui.

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