Alguns ainda suspiram pelo vale tudo das privatizações do governo Bolsonaro. A pretexto de acelerar investimentos, a infraestrutura do país esteve durante quatro anos à mercê de interesses privados, que na maioria das vezes se sobrepuseram ao interesse público. Com as ferrovias foi assim. A política de passar a boiada funcionou também no setor.
O caso da Malha Paulista, concedida à Rumo, é um exemplo: o valor de mercado da empresa foi multiplicado por dez, com investimento mínimo da concessionária, apenas o suficiente para manter a operação de escoamento de seus produtos. Cabe ressaltar que a renovação da concessão da Rumo foi antecipada a toque de caixa em 2020, sem qualquer justificativa técnica à época do poder concedente para tal regalia. Sob a direção do atual governador de São Paulo, o Ministério da Infraestrutura também renovou as concessões da Estrada de Ferro Carajás, Estrada de Ferro Vitória a Minas e Malha Sudeste.
Os investimentos que o Brasil precisa para a expansão de suas ferrovias poderão vir a partir de agora, no governo Lula 3. Já existe um entendimento de que a política para o setor precisa ser corrigida. Em recente audiência em Brasília com o secretário nacional de transporte ferroviário, sentimos essa disposição, particularmente em inserir na discussão sobre o modelo de concessões e investimentos a necessidade de termos em vista a integração nacional e o estímulo ao transporte de passageiros.
Há pelo menos 40 anos o Estado deixou de articular esforços para que a ferrovia se mantivesse como modal relevante no cenário nacional. O resultado foi a crescente dilapidação dos cerca de 30 mil quilômetros de linhas ferroviárias que ainda restam no país.
Uma parte importante delas está concedida por décadas a um seleto clube de empresas, que só se servem da ferrovia para o transporte de seus respectivos produtos. Não há qualquer contrapartida no sentido de que essas linhas sejam compartilhadas para a movimentação de outras cargas, a fim de que outros setores também possam se beneficiar do preço competitivo do transporte por trilhos, muito menos existe uma intermodalidade, em que as ferrovias estejam a serviço também de usuários que hoje recorrem aos ônibus, inclusive por longas distâncias.
Nossas ferrovias já foram motivo de orgulho nacional. Com um olhar menos privatista e mais orgânico, saberemos resgatá-las.
* José Manoel Ferreira Gonçalves, engenheiro, é presidente da FerroFrente – Frente Nacional pela Volta das Ferrovias e membro do Conselho Deliberativo da EngD – Engenharia pela Democracia.
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