top of page
João Cesar Pinheiro

O escorregadio eu

Atualizado: 20 de dez. de 2022


Por João César de Freitas Pinheiro, Geólogo, Ph.D


A grande maioria das pessoas do mundo, de 7,5 bilhões de seres humanos, não admite, ou não sabe, que foi no acaso, em pleno caos universal, que erroneamente se denomina cosmo organizado e previsível, que se formou o SAPIENS ao longo de pouquíssimos recentes 3 milhões de anos numa história de 4,5 bilhões de anos do planeta Terra.


A revolução cognitiva, a revolução agrícola, a revolução industrial e a revolução científica, ao longo de centenas de milhares de anos moldaram-nos tal como hoje vivemos. Inventamos o EU para organizar pensamentos, separando cartesianamente inconsciente de subconsciente e consciente, sem nos darmos conta de que pensamentos podem ou não serem controlados por uma máquina cerebral que sustenta nossa MENTE, ferramenta de controle também por nós criada.


O pensamento decorre de interações físicas, químicas e físico-químicas, na escala quântica, num organismo no qual a matéria-energia interagiu e se integrou para formar um cérebro com o qual o SAPIENS, (nós), assume o papel de espécie mais assassina do planeta desde tempos imemoriais. Não há um só ecossistema que não seja impactado pela destruição causada por essa espécie de primatas. Se é uma destruição criativa, como defende Schumpeter, só é criativa para os capitalistas acumuladores do capital em reprodução como função da ação destrutiva.


Agora, às voltas com poluição da órbita terrestre com satélites artificiais, invenção de carros voadores, cidades inteligentes, inteligência artificial, internet das coisas, manufatura aditiva, telemática, robótica, automação, indústria quatro-ponto-zero e outras geringonças que decorrem de uma história da tecnologia desde os tempos da pedra lascada, o SAPIENS continua grotesco e ignorante. Para sustentar o EU, a espécie humana teve que escorá-lo em DEUS.


Inventou este mito compartilhado, criador onipotente, onipresente e onisciente, capaz de responder pela absolvição de todos os pecados de pensamentos, palavras, obras e omissões, assim como protetor de quaisquer ameaças ou resistências da natureza instalada na crosta terrestre, sua atmosfera e sua hidrosfera.


Nem sempre os mitológicos deuses e semideuses pagãos e cristãos, habitantes do paraíso, vieram em socorro dos humanos e muitos são os exemplos históricos e cotidianos de uma vulnerabilidade não evitada. Mas, sempre são desculpados numa ciranda de conceitos de bem e mal, cabendo corriqueiramente o mal aos vulneráveis e adeptos da busca pelo bem-estar epicurista e do exercício da vontade de potência.

O primeiro pensamento criador de DEUS, como todos os demais pensamentos, também surgiu da interação e integração do ser humano com uma natureza adversa, aterrorizante, sem nenhuma piedade para com a vida, um fenômeno a mais para necessariamente compor a crosta terrestre em decorrência da ambiência do planeta em relação ao sistema solar.


A vida de todas as espécies animais e vegetais na paleontologia, na biologia e na geologia nada mais é do que uma decorrência de um caminhar natural do planeta em direção à sua queda na coroa solar, quando nossa estrela Sol se transformar em uma gigante vermelha, daqui a mais 4,5 bilhões de anos. Somente isso, nada especial.

Como existem trilhões de planetas no universo de 13,5 bilhões de anos a partir do Big-Bang, estatisticamente a vida esteve, está e estará em bilhões deles orbitando estrelas que se apagaram, estrelas que estão queimando hidrogênio e estrelas novas que surgirão. Provavelmente, também por cálculos estatísticos, muitos tipos de vida parecidos com a nossa. Nada alarmante.


Nada sobrenatural. Sobrenatural é a ALMA inventada pelo ser humano, decantada por Platão, dita eterna pelos católicos, propícia a trilhar caminho de perdição. Platonismo e religiosidade, principalmente a do catolicismo e a que Max Weber descreve em relação ao protestantismo da prosperidade, andam de mãos dadas.


Padres, bispos, cardeais, papas, pastores católicos e evangélicos vicejaram, puxando terços, novenas, ladainhas missas e cultos, construindo templos e basílicas para lavagem de dinheiro, acumulando capitais, comprando fazendas e aviões, adoçando a vida de milhões de fiéis com o açúcar viciante da busca da verdade pela penitência, pelos dízimos e pelos rituais de reza e cura. Disseminaram a crença de que os diabos andam soltos na face da Terra para virar a cabeça dos puros de coração com apelos sexuais, apego ao dinheiro dos salários, vontade de potência e amor aos preceitos epicuristas da consagração do prazer de viver. “Deus acima de tudo” anunciaram as trombetas.


Os anjos bons, com suas enormes asas brancas desceram dos céus com suas lanças em riste para traspassar os corpos de ateus, comunistas, participantes do LGBT, do MST, dos movimentos sociais de emancipação dos negros e das mulheres, dos partidos de esquerda, dos progressistas, dos pecadores irrecuperáveis e dos diabos especialistas em injetar pecados capitais, travando batalhas homéricas nas trevas de uma infindável matança da noite de São Bartolomeu.


O EU consciente é quem organiza e executa crueldades, não os pensamentos avulsos. Quando o marido assassino dá um tiro na mulher que o deixou por outro homem, o faz de uma das duas formas: a primeira, mais comum, conscientemente; a segunda, mais rara, por decorrência de uma pulsão assassina incontrolável que é chamada de surto psicótico. Assim se salva da justiça o serial killer defendido por um advogado de retórica impecável e o genocida que comanda uma nação por injunções políticas.


A própria justiça é sempre injusta por ignorar na totalidade como funcionam os mecanismos que originam os pensamentos. Portanto, está à mercê de erros crassos, mesmo se valendo das ciências e da rainha das ciências, a psicologia. Esta, por formação, eivada de elementos dogmáticos e preconceituosos, mais afeita à metafísica, à religiosidade agostiniana do que ao materialismo científico e às ciências sociais.


Os pensamentos avulsos, desorganizados, aflorantes nos sonhos e pesadelos, rechaçados ou não pelo EU, são os mais autênticos, os que mais definem o caráter humano, material de trabalho de Sigmund Freud e seus seguidores, tão importantes para a humanidade como Karl Marx, Albert Einstein, James Hutton, Charles Darwin, Friedrich Nietzsche e tantos outros notáveis cientistas e seus descendentes científicos que não se apoiaram e não se apoiam na mesmice de uma lógica ultrapassada.


Para estudar o pensamento humano, a primeira coisa a fazer é afastar o determinismo e o mando de DEUS, matando este mito compartilhado, esta mentira que embasa os conceitos de alma, pecado, penitência e repressão às pulsões da vida. DEUS, tal qual DINHEIRO, é um mito compartilhado difícil de ser afastado da mente entorpecida das pessoas em surto permanente. Das pessoas submetidas à Servidão Voluntária de Étienne de La Boétie, em texto publicado em 1563, após sua morte.


Como ainda é atrasada a humanidade! Como é desprezada a filosofia de Epicuro de Samos, dos seus jardineiros, de Demócrito, da Rerum Natura, de Tito Lucrécio Caro, submetidos ao peso da aclamada Academia de Platão e Aristóteles, vencedores do certame histórico com as armas da força política e do credo de Constantino e de uma retórica metafísica manipulada ao ponto da Filosofia Cristã de Agostinho, São Tomás de Aquino e dos Escolásticos perdurar até nossos dias.


O determinismo do EU sobrepujou o pensamento libertador, assassinou a evolução humana por milênios, castrou, ainda que não completamente, o SAPIENS, que esperneia para sair da arapuca colocada por genes suicidas e arrasadores de ideias libertárias. Que se enterre DEUS em cova profunda junto com seus totens: os preconceitos sexuais, as práticas casamenteiras, a educação equivocada das crianças e jovens, a crueldade da caridade cristã na saúde, na economia política e nas relações humanas. Que se enterre junto com ele o capitalismo.

134 visualizações

1 comentario


O ESCORREGADIO EU: João César, relevante análise. Lanço um desafio: A inteligência humana está direcionando a barbárie animalesca (Predador-presa) para um sentido humanitário, porém, muito lentamente.

Me gusta
bottom of page