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Carlos Paiva

Os Dois Aspectos da Liberdade

Atualizado: 20 de dez. de 2022


Por Carlos Eduardo Paiva de Cardoso, Engenheiro Eletrônico


Conhecer a nós mesmos, como somos influenciados pelo mundo em que vivemos, como e porque temos esta ou aquela posição perante nossos colegas e amigos, com certeza nos ajuda a trilhar o caminho para uma sociedade mais humana e justa


A estrutura da sociedade moderna afeta o homem de duas maneiras simultaneamente: ele fica mais independente, confiante em si e crítico e fica mais isolado, sozinho e com medo. Este aspecto negativo da liberdade é difícil de perceber.

Deixamos de reconhecer que mesmo que o homem tenha se livrado de velhos inimigos da liberdade, surgiram novos inimigos de natureza distinta, inimigos estes que não são essencialmente restrições externas, mas fatores internos que tolhem a realização total da personalidade.


Cremos, por exemplo, que a liberdade de expressão é o último passo para a vitória da liberdade, esquecemos, no entanto que o homem moderno se encontra em uma situação em que muito do que “ele” pensa e diz são as coisas que todos os demais pensam e dizem; que ele não adquiriu a capacidade de pensar por si próprio. Menosprezamos o papel das autoridades anônimas como a mídia, opinião pública e o senso comum que são tão poderosos em nos confrontar com os nossos temores de sermos diferentes.


No sistema feudal da idade Média, no qual todos tinham o seu lugar fixo, os limites de expansão da vida de uma pessoa eram traçados antes mesmo desta vir ao mundo; no sistema capitalista, porém, o indivíduo, particularmente o membro da classe média, tinha (pois dificilmente isto é possível hoje) uma probabilidade de vencer com base em seus próprios méritos e ações.


O capitalismo contribuiu de forma tremenda para o incremento da liberdade positiva, ampliação de um ego ativo, crítico e responsável, não obstante, ao mesmo tempo tornou o indivíduo cada vez mais isolado, solitário e imbuído de uma sensação de insignificância e impotência. Ao fomentar a liberdade ele serviu para cortar todos os vínculos entre os indivíduos e, por conseguinte, para separar e isolar cada um dos seus semelhantes.


O homem converteu-se em um dente de engrenagem da vasta máquina econômica, importante se dispunha de muito dinheiro, insignificante em caso contrário, mas sempre um dente de engrenagem para servir a uma finalidade alheia a ele. A subordinação do indivíduo como um meio para alcançar fins econômicos ocorre devido às particularidades do sistema capitalista de produção, que fazem da acumulação do capital a finalidade e a meta da atividade econômica. Todos trabalham visando o lucro das empresas, mas o lucro que se consegue não se destina a ser gasto, utilizado a favor do homem, mas sim, ser reinvestido como novo capital. Este capital, por sua vez, traz novos lucros e assim por diante, num círculo vicioso.


O sentimento de isolamento e incapacidade do homem moderno é ainda reforçado pelo caráter assumido por todas as relações humanas. O relacionamento concreto de um indivíduo em relação o outro perdeu seu caráter direto e humano, assumindo um espírito de manipulação e instrumentalidade. Em todas as relações sociais as leis de mercado passaram a ser a regra.


Como sucede com qualquer outra mercadoria, é o mercado que decide o valor das qualidades humanas. Se não houver utilidade para as qualidades que uma pessoa oferece ela não tem nenhuma, tal como um artigo não vendável. Por exemplo, a autoestima e a autoconfiança, tão importantes para a sobrevivência do indivíduo, passam a ser medidas pela popularidade e o sucesso no mercado. Se procurada, esta pessoa é alguém; se não, não é ninguém. Não é o indivíduo que está convencido de seu valor, mas a popularidade (seu valor no mercado) que vai permitir que esta pessoa possa progredir ou não em assuntos práticos, conservando sua autoestima ou caindo no abismo dos sentimentos de inferioridade.


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Texto baseado no capítulo IV, Os dois Aspectos da Liberdade Para o Homem Moderno do livro O Medo à Liberdade de Erich Fromm

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