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Prédio que ameaça cair não é acidente


Por José Manoel Ferreira Gonçalves*


Praia Grande é uma cidade de grande movimento a cada verão. No último dia 19 de janeiro, uma grave ocorrência no bairro Cidade Ocian precisou da ação dos bombeiros e da Defesa Civil. Não foi um caso de afogamento, relativamente comum nessa época do ano, mas sim uma ameaça de desabamento de um prédio de 20 andares.


Assim como a morte por afogamento não é um acidente e pode ser evitada, a iminente queda de um edifício também não acontece por acaso. Ela é fruto de vários fatores e talvez o mais grave seja a fiscalização deficiente de obras e projetos, que infelizmente é quase uma regra entre os órgãos públicos e os Conselhos de Engenharia.


O prédio residencial precisou ser evacuado após uma coluna de sustentação ceder durante a manutenção. Famílias foram desalojadas, enquanto um precário escoramento com barras de ferro foi providenciado. Relatos de moradores dão conta de que o suporte da construtora demorou a vir.


Diante do que presenciamos no local, fizemos encaminhamento ao Ministério Público do Estado de São Paulo solicitando a abertura de inquérito civil ou procedimento administrativo equivalente para apurar como a construção chegou a esse ponto de ameaçar a vida dos moradores e de todo o entorno do prédio, localizado em uma área próxima à praia e, portanto, muito movimentada nessa época do ano. O documento foi protocolado na unidade do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia-SP em Santos e também na Defesa Civil.


Existe a preocupação imediata de que o açodamento das autoridades em liberar o retorno dos moradores ao prédio seja altamente temerário. Em casos como esse, toda a documentação referente ao edifício deve ser reunida, analisada e confrontada por peritos. Não basta um laudo emergencial ser emitido para que se proceda a liberação. As causas dessa falha na estrutura precisam ser investigadas.


Outro debate mais amplo que precisa ser instalado diz respeito à importância da boa formação dos engenheiros, os princípios éticos da profissão, o zelo com a sociedade e, especialmente, o papel fiscalizador e orientador do Estado. Como exemplo, basta questionar se o profissional na prefeitura que aceita o laudo pericial está de fato preparado para tomar decisões tão importantes, que afetam a vida de centenas de famílias.


A Defesa Civil na maioria das vezes não possui calculistas capacitados para elaborar laudos. Sem a competência de profissionais qualificados, o órgão acaba desempenhando um papel burocrático, tomando como base laudos externos para realizar a documentação, num perigoso mecanismo de transferência de responsabilidades. O que não afasta a obrigatoriedade de cumprimento da lei 6496/77, que, conforme a resolução 1025/2009 do Confea, determina a responsabilidade técnica das equipes de engenharia, por meio das chamadas ARTs (Anotações de Responsabilidade Técnica).


No momento, para que a história desse prédio danificado na Cidade Ocian seja passada a limpo, é necessário, entre outras providências, que sejam identificadas e levadas a prestarem esclarecimentos e subsídios técnicos para averiguação tanto a empresa responsável pela construção e seu responsável técnico, ou responsáveis técnicos, devidamente registrados no CREA-SP, quanto os responsáveis pelos serviços de recuperação estrutural.


É o primeiro passo de uma cuidadosa diligência para reunir todas as informações sobre o histórico da obra, desde o início da construção, até o quase fatídico princípio de desabamento. Transparência é fundamental!



*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro, membro da EngD, diretor da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), presidente da Ferrofrente e ex-mebro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (CREA-SP).


Crédito imagem: G1



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