Por André Cintra
O PSDB deixou o Palácio dos Bandeirantes após 28 anos de gestões privatistas. Mas as estatais de São Paulo – agora sob a tutela de um governador bolsonarista – continuam em risco. Em 7 de junho, Tarcísio de Freitas anunciou um pacotaço que inclui a venda de linhas de trem da CPTM e de rodovias paulistas, além, claro, da Sabesp.
A meta é entregar tudo à iniciativa privada até julho de 2024, e a Sabesp desponta como trunfo na mesa de negociação. Com valor de mercado estimado em mais de R$ 37 bilhões, trata-se de uma das maiores e mais bem-sucedidas companhias de saneamento básico do mundo. Abastece 28,4 milhões de pessoas com água e 25,2 milhões com coleta de esgotos, operando num total de 375 municípios paulistas.
Vender a estatal foi uma das promessas de Tarcísio na campanha eleitoral de 2022. Desde então, entidades como o Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo) denunciam os interesses nada republicanos de um político que, curiosamente, é do Partido Republicanos.
“A privatização da Sabesp não é um problema apenas dos trabalhadores da Sabesp”, diz José Faggian, presidente do Sintaema. “Pouco mais de 70% da população paulista vive nos municípios operados pela Sabesp e recebe um serviço de qualidade, praticamente universalizado e com uma tarifa adequada.”
Os prejuízos da privatização, segundo Faggian, serão maiores para moradores da periferia e de pequenos municípios – “lugares que mais necessitam de investimento e onde a expectativa de retorno econômico é muito baixa”. Porém, “no limite”, 100% da população será afetada. “Afinal, é uma empresa do governo do estado – um patrimônio de todo o povo paulista”, lembra o dirigente sindical.
Após o anúncio de 7 de junho, o governador afirmou, em nota, que o cronograma da privatização é “público e de conhecimento geral”. Faggian contesta. “Nenhuma das entidades representativa da Sabesp foi chamada em nenhum momento – nem os sindicatos, nem as associações – para debater qualquer questão. A única informação clara de conhecimento das entidades e da população é a vontade do governador de vender a empresa.”
Entre várias iniciativas para desmascarar a gestão Tarcísio, o Sintaema lançou a campanha “Água privatizada não dá para engolir – Juntos por uma Sabesp pública e fortalecida!”. O site do sindicato disponibiliza diversos materiais da campanha.
Confira abaixo a íntegra da entrevista de Faggian.
Por que a privatização da Sabesp põe em risco o abastecimento de água e a oferta de saneamento em São Paulo?
A lógica da iniciativa privada é colocar sempre o lucro em primeiro lugar, independentemente de qualquer questão. Na hora de decidir onde investir, essa lógica leva as empresas a fazerem o menor investimento possível para poder extrair a maior fatia possível de lucro.
Com a Sabesp privatizada, haverá uma mudança na política de investimentos principalmente nas regiões periféricas da cidade, nos lugares que mais necessitam de investimento e onde a expectativa de retorno econômico é muito baixa. A iniciativa privada vai levar muito em conta esse fator da lucratividade.
Nesse sentido, a privatização da Sabesp pode ocasionar a falta de água, a falta de estrutura para manter o abastecimento, menor investimento na distribuição e na recuperação de mananciais, de novos reservatórios. A iniciativa privada quer buscar o lucro, e não o abastecimento da população.
De acordo com o governo estadual, as informações sobre a privatização são de “conhecimento geral”. O Sintaema tem sido convidado a conhecer em detalhes o plano de venda?
Não é verdade que as informações sobre a privatização sejam de conhecimento da população. Nenhuma das entidades representativa da Sabesp foi chamada em nenhum momento – nem os sindicatos, nem as associações – para debater qualquer questão. A única informação clara de conhecimento das entidades e da população é a vontade do governador de vender a empresa.
No mundo todo, há uma tendência de reestatização de empresas de saneamento básico. O que deu errado na privatização desses serviços?
Realmente, há um processo de reestatização não só do saneamento, mas de serviços essenciais, do setor elétrico e de outros setores. Boa parte dessas privatizações ocorreu na Europa e até nos Estados Unidos – em países que têm uma legislação bastante segura, com contratos bem amarrados. Mas a grande dificuldade é que, primeiro, o poder público perde o controle sobre os investimentos, e a empresa privada faz o Estado refém. Se o Estado fiscaliza e multa, ela até paga as multas, mas tira esse dinheiro ou na tarifa da população ou na diminuição dos recursos para investimento.
Segundo: os investimentos – inclusive os que estão previstos nos contratos – em geral não são cumpridos. Para que o lucro fique em primeiro lugar, para que a empresa garanta a extração máxima do lucro, a qualidade do serviço piora e o aumento das tarifas é inevitável. Por que usar esse lucro para fazer mais investimentos, para manutenção e para a melhoria do serviço – para a qualidade do serviço?
Terceiro: a empresa distribui vultosos valores na forma de dividendos, além de remunerar seus executivos e CEOs de maneira fora da realidade. Já vemos isso no Brasil. Olhe a remuneração de alguns executivos de empresas privadas do setor de saneamento que atuam aqui, como a BRK. Os salários nessas empresas são cinco a dez vezes maiores do que nas estatais.
Então, em resumo, quais são os fatores principais que fazem com que essa onda de reestatização no setor de saneamento aconteça no mundo? A perda do controle público, o não cumprimento dos contratos, a falta de investimento, a piora da qualidade do serviço e o aumento de tarifa.
Quais ações já foram realizadas no âmbito da campanha “Água privatizada não dá para engolir”?
A privatização da Sabesp não é um problema apenas dos trabalhadores da Sabesp. Pouco mais de 70% da população paulista vive nos municípios operados pela Sabesp e recebe um serviço de qualidade, praticamente universalizado e com uma tarifa adequada. É o que vamos perder no processo privatização.
Dialogamos com as populações locais, a população pobre, a população periférica, os pequenos municípios do estado – eles serão os mais prejudicados com a venda da Sabesp. No limite, é também um problema de toda a população de São Paulo, mesmo a dos municípios não operados pela Sabesp. Afinal, é uma empresa do governo do estado – um patrimônio de todo o povo paulista. Por isso, temos feito uma interlocução bastante grande com os movimentos sociais e com o movimento estudantil.
Temos conversado também com prefeitos e vereadores, participado de sessões nas câmaras municipais e debatido o tema da privatização em audiências públicas. Outra importante trincheira de luta é a Assembleia Legislativa de São Paulo. Lá, além da frente parlamentar em defesa do saneamento e da Sabesp pública, temos atuado na frente parlamentar em defesa dos serviços públicos e em outras frentes.
A privatização tampouco é garantia de avanços ou estabilidade para os trabalhadores. Como alertar a categoria?
Já faz muito tempo que debatemos diariamente com a categoria o que significaria a privatização. Nas empresas que foram privatizadas, há uma regressão nas condições de trabalho. Dentro do nosso acordo coletivo, salários e benefícios que construímos historicamente se perderão. Sem contar a questão do próprio emprego, o processo de demissão. Temos feito esse debate com a categoria, que anda bastante preocupada e, em certa medida, está se envolvendo na luta contra a privatização.
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