Prezado leitor, tendo em vista que este texto trata de professores, da educação, de escolas e de estudantes, apresenta-se inicialmente o resultado da consulta aos dicionários do significado de algumas das palavras de interesse:
Amaldiçoar – v. Desejar o mal com palavras ou em pensamento; destinar ao infortúnio, à danação; deitar maldição; blasfemar, maldizer, execrar; condenar, reprovar.
Amaldiçoado – adj. Que sofreu algum tipo de maldição; que se conseguiu amaldiçoar; que se amaldiçoou; maldito.
Amaldiçoador – adj. e s.m. - aquele que amaldiçoa.
Então, quem é o amaldiçoador do professor? Resposta óbvia: O POVO!
O POVO, conscientemente ou não, por ação ou omissão, por descuido, por falta de critérios, por falta de opções, por ingenuidade, por indiferença, por descrença, por cansaço, por ignorância, por cinismo, por cumplicidade, elege os políticos que nos governam e que fazem as leis, leis e normas governamentais que condenam os professores à danação eterna, a uma vida de dissabores, de falta de prestígio e de reconhecimento, havendo até mesmo casos de hostilização contra a categoria, corroborando desta maneira as ações dos políticos que não cansam de piorar tudo aquilo que já é ruim, tudo aquilo que tocam. Reis Midas às avessas.
Claro que quando falamos da eleição de políticos, sempre nos deparamos com o dilema do ovo ou da galinha. Claro que é O POVO que despeja os milhões de votos nas urnas, definindo os legisladores e governantes. Porém, recorrendo ao dilema, deve-se lembrar que na hora de eleger os seus representantes, O POVO na quase totalidade das vezes só pode escolher entre o ruim, o pior, o péssimo ou o horroroso. Não custa nada lembrar do Deputado Ulysses Guimarães quando disse: “Ah é, você acha este Congresso ruim? Espere o próximo!”. A consequência óbvia desta frase do Deputado Ulysses resulta na conclusão de que o atual Congresso, as atuais Assembleias Legislativas e as atuais Câmaras Municipais são os PIORES de todos os tempos. Pior ainda, vão PIORAR! Claro que podemos estender este raciocínio para os ocupantes dos cargos executivos e, por que não, podemos também estender o raciocínio para os cargos do poder judiciário. Afinal, tudo se deteriora cada vez mais intensamente. Então, pode-se perguntar, como chegamos a esta situação? Para uma resposta que considero plausível e que explica pelo menos uma parte do problema, recorro a uma adaptação da famosa frase de um assessor de um presidente americano em campanha eleitoral: É A FALTA DE EDUCAÇÃO, ESTÚPIDO!
Afinal, os políticos refletem o povo, os políticos refletem o que somos como sociedade, como país. Não há como separar O POVO dos seus políticos e vice-versa. Você quer políticos melhores? Simples, melhore o povo que os escolhe. Você quer que o povo do seu país seja mais evoluído? Simples, melhore o nível dos seus políticos. É adequado neste ponto destacar um artigo que publiquei no mesmo local e mesma data deste com o título “O desalento de Confúcio”.
Afinal, leitor eleitor, quem ensina todos a ler, a escrever, a calcular, ajuda os estudantes a desenvolver suas vocações e, quem sabe, ajuda os estudantes a desenvolver a capacidade de pensar? Resposta que deveria ser óbvia para toda a população: a professora ou o professor. Sem bons professores, sem boas escolas, obviamente, as capacidades cognitivas dos alunos não têm chance de serem adequadamente desenvolvidas, alunos que se tornarão adultos cheios de deficiências e limitações, adultos despreparados para a vida adulta.
Pelé, nosso grande ídolo, foi fortemente criticado quando disse na década de 1970 algo como “o povo não sabe votar”. Naquela década, algo como 30 % da população brasileira acima de 15 anos era analfabeta. Não vou nem questionar a qualidade da alfabetização dos demais 70 % da população, porém, um quadro como esse mostra aspectos horríveis do nosso país, caracterizados por uma negação sistemática e proposital de oportunidades para as crianças em geral pela negação do acesso à boas escolas. O endereço da criança determina as suas chances de sucesso ou a sua falta total de oportunidades, a sua condenação à uma vida na penúria e na falta de boas perspectivas. Então, como criticar o Pelé? Afinal, como se pode esperar que alguém que não sabe de onde virá o seu próximo prato de comida, se houver, esteja adequadamente preparado para fazer uma análise adequada de conjuntura para fundamentar as suas escolhas políticas, para escolher os seus candidatos favoritos? Dando um salto no tempo, segundo dados do IBGE, atualmente, 11 milhões de brasileiros com mais de 15 anos são analfabetos e nem vou falar do analfabetismo funcional.
O comportamento e o palavreado de certos políticos e funcionários de alto escalão nos diversos setores públicos brasileiros sugerem corroborar a ideia de que não tiveram boas escolas, não tiveram uma boa educação, ou ainda, foram péssimos alunos, daqueles que existem aos montes nos fundões e que perturbam e inviabilizam os processos educacionais nas salas de aula do Brasil. Tendo em vista que este texto objetiva tentar contribuir com o diagnóstico e com a busca de soluções para o nosso sistema educacional, gostaria de propor para as instituições de pesquisa das áreas afins que façam estudos para determinar os perfis típicos dos nossos políticos que ocupam cargos eletivos. Para cada um, determinem que escolas frequentou? Qual foi o desempenho que o caracterizou durante o seu período escolar, se teve, quanto tempo e em qual área se formou? Foi um bom aluno que respeitava adequadamente os seus professores? Como eram as suas relações com seus colegas? Afinal, acho que é imperativo verificar se os políticos têm as devidas qualificações para promover alterações significativas e tomar decisões sobre o nosso combalido sistema educacional, como tem acontecido em nosso país. Nestes processos de mudanças impostas pelos políticos, os professores estão sendo ouvidos ou consultados adequadamente? Afinal, a categoria dos professores é a que está na linha de frente da condução dos processos educacionais, não é verdade?
Supondo que a composição do Senado Federal seja representativa de todas as casas de representantes existentes pelo país afora, vimos que pouco mais de 20 % dos políticos eleitos não têm as devidas qualificações nem para pensar em dar aulas no Ensino Fundamental ou no Ensino Médio, pois, não têm os diplomas adequados. Dos, aproximadamente, 80 % restantes com diplomas de Cursos Superiores, acredito que possamos imaginar que uma boa parcela deles não tem nenhuma experiência didática, nenhuma experiência da vida real de um professor dentro de uma sala de aulas (com todo o conteúdo que tem lá dentro e somente vivendo esta experiência na vida real é possível ter uma boa ideia desta realidade). Afinal, exige-se dos professores que tenham a devida qualificação, obtida nos diversos Cursos Superiores, como é lógico que deva ser, nas diversas áreas do conhecimento, além da aprovação em concursos públicos. Eu gostaria de propor aos políticos que votam por mudanças questionáveis e as implementam, já que consideram que suas propostas de mudanças são mais adequadas do que os nossos combalidos sistemas educacionais vigentes, que façam demonstrações públicas das suas capacidades para lidar com o mundo real das salas de aula. Aqueles que têm formação na área das Ciências Exatas poderiam nos brindar com demonstrações de aulas de Matemática falando da álgebra, geometria, trigonometria, logaritmos e números complexos e, quem sabe, poderiam se enveredar pela Física ou pela Química. Os que têm formação na área das Ciências Humanas poderiam fazer demonstrações de aulas de Literatura Brasileira (Bentinho) e Portuguesa (Primo Basílio), de gramática, de aulas de História, aulas de Geografia, de Filosofia, de línguas estrangeiras, enfim, há milhares de anos de produção de conhecimento sobre os quais poderiam discorrer. Enfim, aqueles das áreas das Ciências Médicas e Biológicas poderiam nos brindar com o seu conhecimento baseado nas suas experiências profissionais para falar, por exemplo, da Genética, de vacinas, do tratamento e prevenção de doenças e outros temas relevantes.
Enfim, senhores políticos, proponho, experimentem viver esta realidade, experimentem conhecer profundamente esta realidade, antes de pensar em fazer mudanças em aspectos fundamentais de sistemas extremamente complexos e que têm muitas nuances, muitos aspectos peculiares que devem ser devidamente identificados e analisados. A estruturação dos sistemas educacionais deve ser desenvolvida por profissionais altamente capacitados e que levem adequadamente em consideração o conhecimento pedagógico para despertar nos estudantes todo o seu conteúdo vocacional e, obviamente, não devem nem pensar em preconceitos e demais equívocos ideológicos que invadem as mentes de pessoas despreparadas para lidar com a diversidade da humanidade. Dar aulas, não significa, simplesmente, entrar na sala de aula e apresentar a matéria programada. Vai muito além disso. Também não vou falar nada de todo o trabalho extra-classe que demanda do professor um tempo enorme e não é devidamente reconhecido e nem remunerado.
Então, finalmente, para abordar a profissão do professor(a), nada melhor que mencionar a frase da poetisa Cora Coralina que diz “feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Quando penso nesta frase imagino o sentimento de orgulho e de felicidade que um professor(a) deveria sentir ao exercer uma profissão assim tão nobre e tão fundamental para o país onde vive. É o profissional que forma todos os profissionais. Um país minimamente saudável deve ter uma relação de respeito e de reconhecimento pelo trabalho do professor(a), pois, não há chance de organizar decentemente uma sociedade sem cidadãos plenamente evoluídos em suas capacidades intelectuais e cognitivas devidamente comprometidas com o objetivo de assegurar o bem-estar de todos. O contrário disto, são as sociedades de castas imiscíveis, onde prevalece a lei do mais forte, onde prevalece a opressão dos mais fortes sobre os mais fracos. Então, pergunto ao leitor eleitor, como você acha que os nossos professores das escolas públicas se sentem atualmente, tendo em vista todas as condições adversas às quais são submetidos?
Certamente, pode-se constatar sem dificuldades o desastre que o sistema educacional brasileiro representa, o que nos leva a lembrar a frase premonitória do Professor Darcy Ribeiro que disse em 1982 “se nossos governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. Esta frase representou um alerta emitido há mais de 40 anos e que foi solenemente ignorado pelos governantes brasileiros que escolheram indubitavelmente o caminho da repressão em detrimento do caminho da educação.
A propósito, acho adequado informar que sou Professor desde 1976. Trabalhei no Ensino Fundamental e Ensino Médio dando aulas de Matemática. Fui Professor Titular de Engenharia Elétrica numa universidade privada por mais de 11 anos. Atualmente, sou Professor apenas em cursos de pós-graduação em Engenharia Elétrica. Sou Engenheiro Eletricista (1981), Mestre (1993), Doutor (2000) em Engenharia Elétrica e Pós-Doutorado (2003) na Universidade de Grenoble, França. Enfim, acho que posso dizer que já passei por umas boas experiências em salas de aula, participando ativamente nos processos de formação dos nossos estudantes. Gostaria muito de assistir a estes políticos que propõem mudanças tão radicais, dando aulas nas escolas e salas de aulas do mundo real. A experiência seria ainda muito mais enriquecedora e ilustrativa da realidade se eles dependessem dos salários e demais condições de trabalho dos professores para sobreviver.
Como Professor me sinto intrigado ao constatar como os nossos governantes e políticos tratam a nossa categoria profissional. O desastre do sistema educacional brasileiro é atribuído aos professores, como se a categoria fosse a grande responsável por esta situação calamitosa. Este processo de deterioração vem se estabelecendo e se consolidando há décadas. Tudo parece indicar que a deterioração do sistema educacional não é acidental, é método de desgoverno. Afinal, é muito mais fácil controlar um povo sem escolas decentes. Outra obviedade, não há país razoavelmente desenvolvido que não ofereça escolas decentes para todas as suas crianças. Um país, uma sociedade, é formado pelo conjunto da população. Será que é necessário descrever as vantagens, descrever como a vida em sociedade poderia ser muitíssimo melhor, se tivéssemos uma população bem formada, bem educada, com todas as vocações das crianças plenamente desenvolvidas? Assumo aqui a premissa, que me parece óbvia, que se todas as crianças tiverem boas escolas, uma oferta de oportunidades através de uma boa educação, uma parte significativa das nossas tragédias sociais seriam evitadas. As tragédias socioeconômicas que observamos por aqui são muitíssimo mais atenuadas nos países que oferecem boas escolas às suas crianças. Imagino que você que está lendo este texto, muito provavelmente, não está na penúria, não está pensando em fazer coisas fora da lei para sobreviver, para conseguir seu próximo prato de comida e teve uma educação que lhe oferece oportunidades para evoluir e para desfrutar a vida.
As escolhas dos políticos e governantes estão claras. Há poucas semanas saiu a notícia que um tenente coronel da PM de um estado do Centro-Oeste obteve uma licença remunerada de 3 meses e está acompanhando como segurança um dos candidatos a prefeito da cidade de São Paulo. Foi noticiado que ele recebe 33 mil reais por mês. Inclusive está recebendo sua remuneração normalmente durante este período de licença. Notem que os coronéis daquele estado devem ganhar mais do que o tenente coronel. Atenção aos leitores que não moram naquele estado e também os moradores, lembrem-se que todos nós pagamos os impostos que propiciam salários e benefícios tão generosos, afinal somos uma República Federativa. São salários e benefícios merecidos? Os governantes e os políticos poderiam fazer a gentileza de nos explicar as razões pelas quais tal classe de funcionários é tão bem remunerada? Os serviços que estão prestando realmente valem o que eles recebem? Nós, o povo, estamos andando pelas ruas despreocupadamente?
Pergunto, algum professor no Brasil de alguma escola pública do Ensino Fundamental ou Ensino Médio recebe 33 mil reais por mês de salário? Algum professor da rede pública pode gozar licenças remuneradas para desenvolver atividades que não estão diretamente relacionadas ao seu contrato de trabalho?
Voltando ao Estado de São Paulo, onde estou, estado mais rico da federação, acho razoável imaginar que os oficiais da PM devam receber remunerações, pelo menos, da mesma ordem de grandeza dos oficiais do referido estado do Centro-Oeste. Cabe novamente a pergunta: algum professor do Ensino Fundamental ou Ensino Médio do Estado de São Paulo ganha 33 mil reais por mês? Alguns casos que conheço pessoalmente, professores com algumas décadas de trabalho não chegam a ganhar nem 20 % dos tais 33 mil reais auferidos pelo referido tenente coronel. Aqui ficam claras as escolhas dos governantes e dos políticos em geral, corroboradas pelos votos da população, que valorizam as forças da repressão ao invés das forças da educação. Cabe aqui também a pergunta: os serviços prestados pelos oficiais valem realmente pelo que recebem? Por quê um professor não chega a ganhar nem 20 % dos 33 mil? Afinal, meu povo, quanto vale a educação dos seus filhos? Qual é o tamanho do prejuízo com a falta de educação dos seus filhos? Não há como tergiversar, a forma mais direta e objetiva de valorizar um funcionário é através da remuneração. Todo o resto é apenas conversa fiada e tapinha nas costas.
Apresento outro dado relevante que ilustra o desprezo que os governantes alimentam pela categoria dos professores. Há um edital aberto para a contratação de soldados de segunda classe para a polícia militar no estado de São Paulo. É o edital de concurso público Nº DP-1/321/24 (Publicado no DOESP nº 60, de 28/03/2024). O nível de escolaridade requerida dos candidatos é o Ensino Médio completo. Notem que um professor deve ter o ENSINO SUPERIOR COMPLETO. A remuneração oferecida no edital para o soldado em início de carreira é superior a R$ 4800,00. Os casos que conheço de professores que lecionam há décadas levam para casa mensalmente algo da ordem de R$ 5500,00, não dá nem 15 % acima do soldado com Ensino Médio em início de carreira.
Algum político ou governante cogitou algum dia oferecer uma remuneração aos professores que pudesse se equiparar, por exemplo, à remuneração dos oficiais da PM? Imaginem os professores no final da carreira ganhando como um major ou um tenente coronel da PM e os diretores ganhando como um coronel. Os números mostram a precarização da categoria dos professores, mostram o desprezo e objeção convicta que os governantes e políticos em geral têm pela ideia de oferecer uma educação de qualidade para todas as crianças. Meu povo, só para não esquecer, quem foi que elegeu os políticos?
Mesmo nestas condições adversas a categoria dos professores encara diariamente a sua dura profissão que sonharam em abraçar. Conheço pessoalmente muitos exemplos de professores que cumprem valorosamente o seu papel de educador. Há relatos horrorosos das adversidades, da falta de respeito e de consideração por parte dos alunos, por parte dos pais dos alunos, por parte da sociedade em geral e por parte dos políticos. Professores são xingados, são ameaçados de agressão, até mesmo, acontecem ameaças de morte. A vida do professor é uma guerra contra a barbárie e a ignorância. O exército inimigo é poderosíssimo e não para de crescer. O professor luta contra todos os mundos absurdos incutidos nas cabeças dos pais que não toleram a ideia de seus filhos poderem ser diferentes dos modelos ideais das suas fantasias, não toleram a ideia dos seus filhos poderem se encaixar perfeitamente em alguns dos estereótipos que eles abominam, pais que não toleram a ideia da diversidade da humanidade.
Afinal, onde estão as instâncias governamentais que deveriam tomar atitudes concretas para contribuir para resolver ou mitigar todos os problemas? Conselho Tutelar, Juízes de Menores, Secretarias de Educação Municipais ou Estaduais, Ministério da Educação e demais setores, estão empenhados em participar do diagnóstico e solução dos problemas? Será que não seria necessário que todas as instâncias governamentais associadas com organizações da sociedade civil assumissem ativamente o papel de partícipes nos processos de educação das crianças? AS NOSSAS CRIANÇAS.
Ingressei no primeiro ano primário em 1962. Nesta época não havia escolas para todas as crianças, principalmente a partir do equivalente ao quinto ano do atual Ensino Fundamental. Naquela época era necessário passar por um Exame de Admissão para continuar os estudos a partir do quinto ano. Posso assegurar que naquela época era impensável que alguma criança ou pais de alunos desrespeitassem as professoras e professores. Posso também afirmar que a categoria dos professores não era formada por milionários, porém, tinham um bom padrão de vida, padrão que veio progressivamente se deteriorando até chegar neste estágio de precarização dos nossos dias.
Afinal, já que estamos falando de professores e da educação, quais as razões para que a PM tenha sido mencionada tantas vezes neste texto? Bom, primeiramente não custa lembrar das escolhas vigentes: repressão em detrimento da educação. Além disso, nos últimos anos se intensificaram os números de casos de governantes e políticos implantando, ou tentando implantar, escolas que denominaram cívico-militares. Nestas escolas, policiais militares aposentados seriam contratados para permanecer em suas dependências e, com isso, supostamente, garantiriam a disciplina e a segurança. Para isto tais policiais teriam uma remuneração adicional às suas aposentadorias aumentando ainda mais as suas vantagens em relação à média de salários dos professores. Pergunta óbvia: alguém consegue imaginar um processo eficaz de educação sem disciplina, no meio da algazarra e sem segurança? Outra pergunta óbvia: onde estão os setores governamentais e organizações da sociedade civil tomando iniciativas para participar ativamente do diagnóstico e resolução dos problemas? Onde estão os setores governamentais e organizações da sociedade civil que abandonam os profissionais da educação à sua própria sorte, atribuindo-lhes na prática a exclusividade da responsabilidade pelo desastre, com isso, alimentando e estimulando todos os discursos demagógicos e mal intencionados?
Um aspecto importante a destacar é que tais tipos de escolas, cívico-militares, supostamente melhores que as escolas tradicionais, não seriam oferecidas para todas as crianças. Então, vem a seguinte questão: como seriam escolhidas as crianças que seriam premiadas com uma educação supostamente de melhor qualidade? Isto me parece um ato discriminatório injustificável, pois, a educação de qualidade tem que ser oferecida para TODAS as crianças sem distinção. Estamos falando aqui de, aproximadamente, 40 milhões de crianças até 14 anos, números de 2022, segundo o IBGE. Os governantes têm que ter a capacidade de oferecer uma educação de qualidade para todas as crianças sem exceção, sem nenhum tipo de distinção. Em nenhum momento falei que é fácil, muito pelo contrário, é o típico trabalho extremamente difícil. Se o governante de plantão não sabe como proceder para cumprir com tais obrigações óbvias, por favor, peça demissão. Retire-se do cenário. Afinal, como seria justificada a diferença de tratamento das crianças nos diferentes tipos de escolas, todas pagas com dinheiro público.
Esta modalidade de escola denominada cívico-militar contém a sugestão de que tais escolas seriam melhores do que as demais escolas públicas, contém a sugestão de que os professores, diretores e demais funcionários do sistema público educacional não teriam as devidas competências para oferecer boas escolas para as crianças. Contém a sugestão que as polícias militares envolvidas nestes processos teriam a competência para desempenhar as suas funções precípuas, cuidar adequadamente da segurança pública e ainda sobraria competência e tempo para contribuir com o seu conhecimento e experiência para as escolas cívico-militares aqui mencionadas. Afinal, haveria algum tipo de participação institucional da PM, ou cada PM, em cada escola agiria em conformidade com a sua visão particular de mundo e sua própria experiência? Seria a instituição como um todo ou um conjunto de aposentados seguindo a sua intuição em temas que são totalmente estranhos à sua formação e experiência?
Com a finalidade de demonstrar a competência das polícias militares no desempenho da sua missão e a confiança que os governantes e políticos depositam nelas, gostaria de propor alguns testes. Afinal de contas, fazer uma autoavaliação, somente se atribuir características excepcionais sem demonstrações não tem um grande valor para o reconhecimento público em geral. Proponho que as demonstrações sejam feitas por cada governador, cada secretário da educação (difícil entender como um secretário de tal pasta corrobora com tais propostas de escolas; dá a impressão de ser um secretário contrário à educação), cada secretário da segurança pública, cada comandante da polícia militar que militam pela implantação de tais tipos de escolas.
A demonstração seria bem simples. Cada um deles, demonstrando individualmente, sem seguranças, disfarçado para não ser reconhecido, desarmado, poderiam passear pelos locais da cidade onde a segurança pública parece estar comprometida, tais como, em São Paulo, na Cracolândia, na avenida Paulista, na praça da República e outros tantos locais da cidade onde, normalmente, não se pode atender a uma chamada no celular sem correr o risco enorme de ser atacado e ter o seu aparelho roubado por ciclistas bem treinados para isto. (Se há roubos de celulares, há receptadores, não é? O pessoal da segurança pública sabe onde vão parar os aparelhos roubados?) Cada um destes indivíduos inovadores da educação com seus filhos ou netos pequenos, com mulheres e idosos da sua família passeando despreocupadamente e usando os seus celulares para filmar a demonstração. Cada um deles, poderia fazer estas demonstrações nos diversos locais da cidade, diversas vezes, em diversos horários e dias da semana. Aqui menciono a cidade de São Paulo porque é onde estou. Os demais governadores, políticos e policiais poderiam fazer tais demonstrações em locais apropriados das suas cidades, ou se preferirem, seriam bem-vindos para fazer demonstrações em São Paulo. Não vale avisar previamente as forças de segurança das datas, horários e locais das demonstrações.
Recentemente, viajei para o interior num final de semana a uma cidade localizada a, aproximadamente, 450 km de São Paulo. Na volta, em todo o percurso, dentro da cidade do interior (que não é minúscula), em todo o percurso na estrada e o caminho que percorri dentro de São Paulo, não vi sequer uma viatura da polícia, de nenhum tipo de polícia. Não vi também nenhum policial uniformizado. As câmaras e radares existem aos montes para multar os motoristas e para filmar as cenas de assaltos aos azarados. Eventualmente, alguém é baleado, devidamente filmado para os registros da falência e inoperância dos sistemas de segurança pública. Claro que circulando pela cidade percebemos em certos locais uma vigilância mais cuidadosa por parte das forças de segurança, provavelmente, locais onde residem as nossas autoridades.
Eu acredito que o envolvimento de policiais militares na educação das crianças é um grande equívoco. Obviamente, um país precisa de um bom desempenho das diversas categorias profissionais, inclusive, obviamente, dos policiais, porém, cada um no seu campo de conhecimento e especialização. Claro que as diversas categorias devem interagir para definir adequadamente os papéis de cada uma, para trocas de experiências e para estudos que apontem para a devida coordenação e para planejar as ações futuras. Claro que de certa forma as casas dos representantes políticos fazem, ou deveriam fazer, tais papéis, porém, em se tratando da organização da sociedade acredito que todos os cidadãos devam participar ativamente dos processos. Na minha opinião, tudo indica que deixar os políticos agirem sem uma supervisão cuidadosa e minuciosa por parte da população não tem dado muito certo.
Os processos educacionais devem contribuir para desenvolver e aprimorar as vocações dos estudantes. Cada indivíduo tem as suas características próprias que, adequadamente estimuladas e desenvolvidas, vão contribuir para todo o desenvolvimento da sua vida. Afinal, a vida é apenas uma passagem e esta passagem será mais bem aproveitada ou desfrutada na medida em que o indivíduo esteja adequadamente preparado, adequadamente sintonizado com as suas características que lhe são peculiares.
Afinal, alguém é capaz de identificar um Mozart, um Einstein, uma Marie Curie, uma Cora Coralina, um Portinari, uma Chiquinha Gonzaga na mais tenra infância? De alguma maneira misteriosa as genialidades vão despertando, aprimorando e contribuindo com o desenvolvimento da humanidade como um todo. As escolas devem ser facilitadoras de tais desenvolvimentos. Um professor francês me disse uma vez: um dos principais papéis de um professor é contribuir para que o seu aluno encontre e percorra caminhos ao longo da sua vida e atinja resultados que o professor jamais teria condições de imaginar que possam existir.
O nível de evolução de uma sociedade está fortemente relacionado ao nível de evolução de cada um dos seus indivíduos. A padronização da educação das crianças, prejudicando o despertar das suas genialidades potenciais, somente produzirá uma sociedade limitada aos aspectos escolhidos para serem padronizados. Imagine, leitor, que você é um índio pelado numa praia no sul da Bahia, num certo dia de abril de 1500 e, de repente, aparecem algumas coisas gigantescas, para o seu padrão de conhecimento, flutuando e se movimentando em sua direção. Você, neste papel, permitiria o desembarque daquela gente suja, fedida, branca, barbuda, vestida com roupagem esquisita, se você tivesse condições de saber que se tratavam de pessoas que somente iriam lhe trazer morte e destruição? Este é um exemplo do risco que a sociedade corre ao tentar conter a evolução das características individuais das crianças e tendendo a padronizar o seu conjunto de conhecimentos. Provavelmente a sociedade será deficiente no reconhecimento dos seus problemas e das ameaças à sua existência, bem como, a sociedade será incapaz de se avaliar adequadamente e de evoluir.
Observa-se casos de pais e mães que fazem de tudo para impedir que seus filhos desenvolvam suas características próprias, chegando ao cúmulo de fazerem de tudo para impedir que seus filhos frequentem escolas regulares reivindicando o direito de educá-los em suas próprias casas e usando mais um anglicismo para se sentirem mais importantes que os demais setores da população, o "homeschooling". Este tipo de papel desempenhado por muitos pais e mães também contribui para a deterioração generalizada do sistema educacional pelas críticas corrosivas que fazem e que alimentam os ouvidos de fanáticos e, pior, impedem seus filhos de desenvolver suas próprias características e vocações além de lhes inculcar preconceitos contra todo o resto da população que não é parecido com eles. Negam aos seus filhos o direito de interagir com outras crianças das suas próprias faixas etárias e, com isso, lhes negam a oportunidade de conhecer outras formas de vida e de pensamento.
Há pais e mães que vivem falando em escolas sem partido que, na verdade, advogam a favor de escolas com partido e com religião. Obviamente, outra característica que uma escola deve ter é a laicidade.
Afinal, tais tipos de pais e mães, quando se olham no espelho, acreditam, sinceramente, que vale a pena fazer cópias de si mesmos? Acreditam que representam exemplos de sucesso, de evolução e de felicidade? Se não estão preparados para lidar com a diversidade da espécie humana, por quê se metem a ter filhos? Que direito têm de querer moldar as crianças à sua imagem e semelhança? Afinal, as crianças não têm o direito à uma existência própria? O direito das crianças não está sendo sistematicamente vilipendiado? Pergunto aos juristas, neste ponto não estamos esbarrando num enorme desrespeito ao direito individual? Os pais podem ser considerados proprietários dos seus filhos?
Um outro aspecto relevante a ressaltar é o comportamento da classe média que faz os maiores sacrifícios para pagar mensalidades escolares para os seus filhos em escolas privadas supostamente melhores do que as públicas. Afinal, as mensalidades das escolas privadas do Ensino Fundamental e Médio são em muitos casos superiores às mensalidades das universidades privadas. E haja sacrifícios para bancar estas contas e tudo o que tem em volta delas. Observa-se também em alguns setores da classe média a ideia de que as escolas públicas com seus alunos das classes mais desfavorecidas, seus professores, seus diretores e funcionários são os responsáveis pelo fracasso do sistema público educacional e, por isso, não medem esforços para manter seus próprios filhos bem distantes de tais instituições públicas e alimentando todos os aspectos deletérios aqui apontados.
Será que se os governantes, políticos com mandatos, altos escalões do poder judiciários, altos escalões do funcionalismo público, se fossem moralmente obrigados a matricular seus filhos em escolas públicas, o nível melhoraria? Afinal, eles não deveriam dar o bom exemplo e mostrar confiança naquilo que estão fazendo em seus cargos públicos? Que tal, a partir de um certo nível de renda, abolir a possibilidade de desconto com a educação de dependentes no Imposto de Renda?
Partindo para a finalização deste artigo, cabem ainda alguns comentários numéricos. Divulgado em setembro de 2023, o relatório Education at a Glance 2023, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra ainda que o Brasil é o terceiro pior na classificação de quase 50 países sobre o investimento na educação básica, ficando à frente apenas do México (US$ 2702) e da África do Sul (US$ 3085). O Brasil investe por aluno da educação básica US$ 3583 anuais (cerca de R$ 17,7 mil, na cotação de setembro de 2023), enquanto a média da OCDE é de US$ 10949. Luxemburgo, o primeiro colocado, gasta US$ 26370. Em suma, o relatório informa que no Brasil, os investimentos públicos por aluno na educação básica equivalem a um terço da média dos investimentos dos países ricos nessa etapa. Nem é preciso dizer que as remunerações dos professores brasileiros também estão na rabeira das tabelas comparativas.
Consultando o portal da “Auditoria cidadã da dívida” constam as seguintes informações relacionadas ao orçamento federal do ano de 2023:
- Orçamento federal previsto – R$ 5,031 trilhões;
- Juros e amortização da dívida – R$ 2,559 trilhões, 50,87%;
- Educação – R$ 0,1303 trilhão, 2,59 %;
- Saúde – R$ 0,1318 trilhão, 2,62 %.
Então, leitor eleitor, observando estes dados numéricos parece que podemos inferir que há muitas coisas a serem minuciosamente analisadas para orientar decisões extremamente complexas que impactam a vida de todos, sem exceção. Arrecadar e destinar o uso de trilhões, bilhões ou até mesmo milhões, acredito que é necessário um mínimo de traquejo na arte da Aritmética, não é?
Assim, observa-se que a categoria profissional dos professores acaba sendo atacada de todos os lados, atribuindo-se a eles o fracasso do processo educacional do país. Todos os pais e mães frustrados pelos seus próprios resultados irrelevantes acabam buscando culpados e lá está toda uma categoria profissional para levar a culpa e para ser apedrejada para o deleite e oportunismo de políticos demagogos que, com isso, também disfarçam a sua incompetência, a sua total incapacidade de encontrar soluções para os problemas da sociedade, isto, quando estão sinceramente interessados em buscá-las.
São Paulo, 7 de setembro de 2024.
Pedro Pereira de Paula
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