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Pedro Pereira de Paula (PPP)

RAZÕES PARA (NÃO) OFERECER ESCOLAS DE ALTA QUALIDADE PARA TODAS AS CRIANÇAS

Confúcio disse: “uma das principais funções de um governante é melhorar a qualidade do povo”. Um amigo me contou que leu isso num livro e este é mais um exemplo da profunda sabedoria de alguém que viveu há mais de 2 mil anos. Há tanto tempo enunciou inúmeras ideias e conceitos para termos sociedades mais justas e há tanto tempo que pouquíssimos governantes lhe dão ouvidos, isto quando sabem da sua existência.


Afinal, para quê servem os governantes?


Afinal, e o povo? Serve somente para trabalhar duramente para oferecer uma boa vida aos governantes e aos seus principezinhos, seus pimpolhos graciosos? Pimpolhos graciosos e que desfrutam de uma vida fácil, posto que, raramente suam a camisa para ganhar a vida. Recebem tudo de mão beijada, tendo em vista seus berços de ouro. Recebem os recursos necessários para sustentar suas vidas confortáveis, no mais das vezes, provenientes dos recursos públicos e consideram muito natural que sejam detentores de tais benefícios, como deve ser por direito de nascença, como por direito divino, afinal, somente uma elite refinada como a nossa se faz merecedora de todos estes privilégios.


Afinal, é preciso mesmo lembrar tudo o que já foi dito e escrito sobre as razões pelas quais um cidadão deve abrir mão de dar vazão aos seus diversos impulsos animalescos para, em contrapartida, desfrutar da possibilidade e das vantagens de unir esforços com todos os demais para viver em sociedade?


Afinal, vivemos em sociedade com a finalidade de criar e consolidar uma elite de seres “superiores” que vivem às custas dos recursos do país, dos resultados do trabalho e do sacrifício da quase totalidade da população? Estes seres “superiores” demonstram não ter nenhuma preocupação, nenhuma empatia, nenhuma angústia, com a miséria da grande maioria da população. Estes seres da camada superior não se sentem responsáveis pelos descalabros provocados pela miséria, isto quando enxergam alguma coisa através dos vidros escuros dos seus carros de luxo. Oferecer uma vida mansa aos privilegiados, é este o objetivo, é esta a finalidade da vida da grande maioria da população? Será que um dia conseguiremos evoluir além dos modelos das sociedades feudais? E dos modelos de sociedade que praticavam a monocultura do açúcar com mão de obra escrava? Acho que estamos encalacrados entre o feudalismo e o sistema de capitanias hereditárias do século XVI, enfim, somos uma sociedade retrógrada.


Observando a cena brasileira constatamos a existência de quase 6000 feudozinhos, cada município com os seus senhores feudais, seus descendentes nascidos em berço de ouro, além dos inúmeros parentes, dos seus bajuladores e apaniguados, que atravessam os séculos mantendo-se no poder de cada localidade graças a todos os tipos de manipulação política, demagogia e de populismo barato. No nível das 27 unidades da federação, a coisa persiste da mesma forma, bastando observar os sobrenomes dos governadores, senadores e deputados, famílias que conseguem ir além dos limites dos seus feudozinhos municipais. E chegando ao nível federal, é o suprassumo da fidalguia. Isto sem contar os altos escalões do poder judiciário, do poder legislativo e do poder executivo. É uma beleza. Como me orgulho de trabalhar aproximadamente 5 meses por ano para pagar todos os impostos que asseguram altos salários e benefícios para todos os escalões da máquina pública que prestam todos estes serviços maravilhosos para a sociedade brasileira. Afinal, este país não deveria ser uma República?


O outro extremo da nossa possível posição na escala da evolução (ou do retrocesso?) da sociedade é o modelo do século XVI. A história do nosso país é uma sucessão de tragédias. Somos uma sociedade que nunca foi além do modelo do século XVI, do sistema de capitanias hereditárias e mão de obra escrava. Escravos não precisam de escolas, portanto, no mínimo são todos analfabetos, no mínimo não têm seus cérebros treinados para desenvolver raciocínios e análises de conjunturas. Logo, são facilmente manipulados por conversa fiada ou por chicotes. Do outro lado, a nossa elite que se beneficia deste modelo. Como o português do século XVI, quer enriquecer o mais rápido possível para voltar para a terrinha e desfrutar das benesses dos seus ganhos nesta economia exploratória e predatória. No caso, a terrinha da elite atual é um apartamentozinho em Miami, Orlando, Fort Lauderdale ou qualquer lugar como esses onde estes caras se acham merecedores de lá viver. Lógico, aí vem a pergunta: quem paga esta conta?


Aqui também cabe um comentário. Vejam que uma boa parte da Mata Atlântica original foi usada para alimentar as fornalhas da produção da cana de açúcar com a mão de obra escrava. Há cidadãos brasileiros que se dirigem ironicamente aos países do Primeiro Mundo argumentando que eles destruíram os seus biomas originais e agora querem dar palpite no nosso país. Tais cidadãos ignoram, convenientemente, que nós também já destruímos praticamente uma floresta inteira, a Mata Atlântica, restando menos de 10 % do tamanho original.


E os nossos governantes, legisladores e o poder judiciário? São os piores possíveis. Todos nós sabíamos muito antes do final do ano passado que os auxílios emergenciais encerrariam em dezembro de 2020. Todos nós também sabíamos da importância de termos o orçamento do governo federal aprovado antes do início do ano. Todos nós sabemos dos milhares de presos em penitenciárias sem nem terem ainda passado pela primeira instância. O que fizeram todos eles, todos os detentores de poder?


Férias e recesso. Quanto aos pobres e os prejudicados em geral que aguardem pacientemente para, quem sabe um dia, receberem seus quinhões. Num país sério, os detentores do poder tirariam férias e entrariam em recesso nesta situação de pandemia, de crise? Se tivessem um mínimo de compromisso, um mínimo de preocupação com os destinos da grande maioria da população prejudicada, tirariam férias ou entrariam em recesso? Se o fizessem, num hipotético país sério provocariam a revolta da população, seriam execrados publicamente e não teriam condições de prosseguir ocupando seus cargos. Aqui, a vida continua como sempre, encalacrada entre o atraso do feudalismo e o atraso do sistema de capitanias hereditárias do século XVI. Uma das notícias que eu vi na Internet recentemente: “Concursos públicos oferecem 12242 vagas com salários de até R$ 32 mil...”. Ou seja, se o iniciante ganha 32 mil, o ocupante do cargo do topo de carreira ganha quanto? Está limitado pelo Teto Constitucional, da ordem de 39 mil reais? Duvido. O céu é o limite .... e que se explodam os pobres que estarão lá analfabetos e ignorantes para votar e dar sustentação política aos senhores dos verdugos.


Uma das coisas que mais almejo na vida é viver em paz. A situação de quietação de ânimo, de sossego, de tranquilidade, de ausência de guerra, conforme a paz é definida nos dicionários, experimentada individualmente não passa de indiferença pelos destinos alheios ou de alienação. Pode ser qualquer coisa, certamente, não é paz. Acredito, portanto, que a paz é uma condição ou situação de vida que se experimenta coletivamente, não individualmente.


Afinal, como é possível viver em paz e sem sofrer sobressaltos em sociedades com tais níveis de desigualdade como a nossa? É possível viver em paz? É possível andar pelas ruas despreocupadamente vendo um número cada vez maior de pessoas morando em barracas improvisadas, pessoas sujas, maltrapilhas, magras pela falta de comida e pessoas com aparência doentia totalmente abandonadas à própria sorte? É possível passear despreocupadamente pela Cracolândia? Recomendo, experimentem esta sensação. Outro dia passei por perto, parecia cenário de filmes de zumbis. Para quem não conhece São Paulo, fica ao lado da Sala São Paulo, sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, uma sala de espetáculos maravilhosa, um verdadeiro paraíso musical com espetáculos do mais alto nível em âmbito internacional. Fica perto de museus maravilhosos como o Museu da Língua Portuguesa, como a Estação Pinacoteca e a Pinacoteca de São Paulo, enfim, lugares maravilhosos convivendo ao lado do mais baixo nível da degradação humana. Bem pertinho se encontra também a rua José Paulino para quem gosta de comprar roupas e a rua Santa Ifigênia com sua enorme quantidade de lojas de produtos eletroeletrônicos.


Nos vários logradouros pelos quais passamos, podemos perceber pessoas que chegam ou caem nas ruas a cada dia em quantidades cada vez maiores, percebemos diariamente novos casos de pessoas que, provavelmente, perderam tudo o que tinham, chegando limpinhas e logo, logo, acabam se incorporando à multidão de miseráveis, aumentando e ressaltando cada vez mais o nosso processo de degradação.


Em meio a tanta miséria contrastando com tanto luxo dos nossos entes “superiores”, observamos a Receita Federal tão ciosa em cobrar impostos dos que ganham R$ 2400,00 por mês e, inexplicavelmente, parece não enxergar todas as movimentações que ocorrem nas mansões espalhadas pelos nichos de riqueza do país. De repente, aparecem milhões aqui, malas de dinheiro ali, dinheiro nas cuecas, dinheiro literalmente sujo, negócios imobiliários inusitados e a Receita Federal parece não ter nenhum interesse em explicar aos que ganham R$ 2400,00 por mês a aparente diferença de tratamento ou de rigor nas análises das contas das diversas castas. O noticiário em geral não mostrou nenhuma ação efetiva da Receita Federal para dar alguma explicação plausível para o seu aparente desconhecimento da existência e circulação de somas de dinheiro assim tão expressivas e, portanto, dado o desconhecimento, isentas de impostos. Conheço algumas pessoas que trabalham na Receita Federal, pessoas altamente capacitadas, profissionais altamente qualificados. Sendo assim, fica difícil entender as razões pelas diferenças nas eficiências das análises das contas dos que ganham R$ 2400,00 por mês e as contas dos detentores dos milhões com seus patrimônios maravilhosos que aparecem como por milagre, o milagre da espantosa competência enriquecedora. Ah, o feudalismo explica, a fidalguia explica.


Afinal, e os que se dizem cristãos, frequentando igrejas e templos, rezando e cantando salmos ao Senhor, pagando dízimos e outras formas de contribuição às organizações religiosas isentas de impostos de um país supostamente laico, são realmente cristãos? Seguem realmente os ensinamentos de Jesus Cristo, principalmente aqueles relacionados às ações de ajuda ao próximo, amor ao próximo e respeito ao próximo? Claro que este tipo de questionamento também se aplica aos seguidores de todas as demais religiões. Afinal, até hoje não conheci nenhuma religião que pregue a injustiça, a desigualdade ou que apoia a tortura, o estupro e o assassinato. Podemos perguntar-lhes se realmente seguem os preceitos das suas religiões.


Enfim, Confúcio poderia ter dito, para estimular a boa prática governamental, que o governo é um espelho do seu povo. Seria um bom estímulo para aqueles governantes movidos pela ideia de fazer o melhor possível para o seu povo. E aqueles governantes que não têm esta motivação, simplesmente permanecem absolutamente indiferentes em relação às imagens horrorosas que vemos neste espelho que reflete a nossa sociedade.

Depois desta pequena introdução que visa apresentar alguns aspectos dos nossos problemas, chegamos nas escolas e no tema do título deste artigo. Para abordar tal tipo de questão, acredito que um cidadão, antes de mais nada, deve decidir em qual tipo de sociedade gostaria de viver. Afinal, considero o objeto deste artigo fundamental para definir e caracterizar o tipo de sociedade em que vivemos. Acredito que para tomar consciência da sua escolha é muito simples: basta ao cidadão imaginar seus sentimentos e procedimentos antes de sair para andar pelas ruas em qualquer dia, em qualquer horário, em qualquer lugar, por qualquer motivo, a pé, de bicicleta, de carro, de motocicleta ou usando o transporte público. Ou ainda, o cidadão pode imaginar os preparativos dos seus familiares para sair de casa, enfim, das pessoas com quem ele de alguma maneira se importa.


Repetindo para enfatizar, imagine, você leitor, ou seus familiares, ou pessoas que de alguma forma você se importa, se preparando para sair de casa, em qualquer horário, em qualquer lugar, por qualquer motivo.


Acredito que para abordar o tema deste artigo, o cidadão precisa decidir qual tipo de sensação lhe traz maior prazer: sair pelas ruas armado com as suas seis arminhas, com os dedos nervosos nos gatilhos, pronto para disparar contra qualquer um que lhe pareça ser uma ameaça, que lhe pareça ser o inimigo malvado a ser destruído, ou sair pelas ruas desarmado, com o espírito desarmado e sem nenhuma preocupação deste tipo, andando no meio da multidão se sentindo parte dela, ou ainda andando tranquilamente sozinho em parques, praias ou trilhas no meio do mato.

Já tive diversas oportunidades de viajar por países com um IDH muito maior do que o nosso. Já tive, inclusive, a oportunidade de morar num destes países em duas ocasiões, incluindo aí minha inscrição no sistema de previdência social e usando os seus serviços. Certamente, não são paraísos na Terra, porém, são países nos quais as diferenças entre classes sociais não são abissais, absurdas, como é o nosso caso. Nestes países um cidadão comum pode sair pelas ruas em qualquer lugar, em qualquer horário sem nenhum tipo de sensação de ser ameaçado por desconhecidos em geral, sem ver nenhuma situação de miséria que se torna cada vez mais comum e visível entre nós, cada vez mais uma componente macabra da paisagem urbana, sem ver legiões de miseráveis produzidas pelas inúmeras mazelas típicas de sociedades injustas e indiferentes com os destinos dos mais desafortunados, daqueles que nascem nas camadas mais desfavorecidas da população, portanto, fadados à uma vida miserável. Claro que, pelo mundo afora, mesmo em países do Primeiro Mundo, há um processo de degradação em curso, porém, citei o exemplo deste parágrafo para dar o meu testemunho de que há lugares no mundo onde a situação da população em geral é muito mais razoável do que a nossa. Claro que, neste momento em que escrevo, há muitas movimentações de refugiados buscando desesperadamente encontrar chances de sobrevivência em diversos lugares do mundo.


É claro também que não vou falar de terrorismo, pois estou tentando discutir aspectos da organização da sociedade com pessoas minimamente equilibradas, minimamente razoáveis, com pessoas que consideram o respeito mútuo um dos pilares da civilização, do convívio e do compartilhamento de espaços comuns. Terrorismo é asqueroso. Terroristas formam a escória da humanidade.


Não escrevi este artigo somente para criticar. Trago também, pelo menos uma sugestão de como operar o milagre. Alguém já disse que se você pensa que construir escolas é muito caro, então, experimente o custo da ignorância. Alguém também já disse que se não investirmos na construção de escolas, faltará dinheiro para construir presídios. No Brasil, experimentamos a cada instante que olhamos além dos nossos umbigos este absurdo custo da ignorância.


Minha sugestão para operar o milagre é a oferta de escolas excelentes para todas as crianças. Escolas de período integral com alta qualidade no ensino, com atividades esportivas, culturais e de lazer, claro que, acompanhado do necessário conforto material da moradia, alimentação e vestimentas adequadas. Acredito que se um dia assim o fizermos, o resultado da mudança para uma sociedade melhor será imediato. As crianças estarão saudáveis, protegidas e com fé no seu futuro. Seus pais e familiares estarão felizes por saberem destas circunstâncias. Eu pergunto aos leitores, quanto custa isto? Nós, enquanto sociedade brasileira, podemos bancar a aplicação dos nossos recursos nas crianças? Isto é custo ou investimento no futuro? Pergunto aos leitores, investir nas crianças não é muito mais barato do que construir e manter presídios? Não é muito mais barato do que termos que bancar programas de auxílios emergenciais para adultos que não estão adequadamente preparados para encarar as situações do cotidiano e para encontrar e manter suas próprias fontes de renda?


Recentemente li no portal “https://worldbeyondwar.org/explained/” que apenas 3% do orçamento militar americano seriam suficientes para acabar com a fome no mundo. Lá no portal tem as explicações que levaram os seus autores a esta conclusão. Vai, que seja 100 % do referido orçamento militar, pergunto, por que não o fazer? Introduzi aqui esta informação só para chamar a atenção que parece ser bastante provável que podemos diminuir, ou, até mesmo, resolver grandes problemas da humanidade com decisões nas direções corretas no âmbito da política.


Faz alguns meses, publiquei nas minhas redes sociais:


“Primeiro passo para melhorarmos o país.


Gostaria de propor a todos nós que pensemos sobre isso. Acho que podemos começar com as crianças. As crianças representam o futuro e representam a esperança de podermos construir um mundo melhor.


Acho que somente as crianças podem nos salvar daquilo que nos tornamos. Todas as crianças educadas em escolas excelentes, bem alimentadas, vestidas e protegidas, com atividades de lazer, culturais e esportivas. Para tal, é necessário que cada cidadão defenda a ideia de que os filhos do vizinho deverão ter a mesma educação e as mesmas oportunidades que os seus próprios filhos. Imaginem a postura que cada cidadão deverá ter de comprometimento, generosidade e justiça para que possamos implementar tais condições. Façamos isso, imediatamente nos tornaremos um país excelente para se viver. Que tal?”


Quando publiquei tal texto, pude perceber que muitas pessoas não acreditam nesta ideia, não acreditam que isto seja possível, exequível ou viável e, até mesmo, percebi pessoas contrárias à esta ideia. Há pessoas que consideram que as benesses devem ser asseguradas somente aos seus próprios filhos e que se danem os filhos dos outros.


Neste ponto, gostaria de fazer uma observação. Podemos ser egoístas, podemos pensar somente em nossos umbigos, sem nenhum problema, porém, não podemos ser burros (os burros de quatro patas que me perdoem pela indelicadeza de usá-los como imagem da estupidez humana). A negação de escolas decentes para todas as crianças não é acidental, é método, é método de desgoverno. É burrice, é estupidez, é cegueira. Este país nega sistematicamente a oferta de oportunidades para as crianças. Esta oferta poderia ser assegurada por meio de um nível de escolaridade compatível com as complexidades do mundo. Obviamente, crianças que não recebem uma educação adequada, estão fadadas a viver na miséria, estão condenadas a não ter nenhuma chance de evoluir para desfrutar de um padrão de vida razoável. É uma verdadeira sentença condenatória e é uma marca da estupidez que rege este país, paraíso da desigualdade, consequentemente, paraíso da violência. É um verdadeiro desperdício de talentos, afinal, quantos talentos desperdiçamos ao negar-lhes a oportunidade de estudar, de viver e de evoluir.


Não sou a favor da igualdade, afinal, nós seres humanos somos todos desiguais. Também não sou a favor do aumento exacerbado e descontrolado da desigualdade socioeconômica. Sou a favor de uma oferta de oportunidades através da educação de alta qualidade acompanhada de todos os componentes necessários para desenvolver os talentos dos estudantes, os nossos estudantes, os nossos cidadãos em processo de formação. Acredito que isto é o mais próximo que podemos conseguir chegar da igualdade de oportunidades que nos propiciará o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equilibrada na qual todos nós poderemos viver em paz e em segurança.


Como eu disse anteriormente, uma das minhas grandes ambições é poder viver em paz. Será que é difícil enxergar que não é possível viver em paz com uma grande parte da população passando fome e vivendo na miséria totalmente desesperançada? Acredito que só temos chance de viver em paz numa sociedade que se ocupe de todas as camadas da população, principalmente que se comprometa com a oferta de oportunidades para todas as crianças. Afinal, os cidadãos que têm emprego e renda, pagam impostos para quê? Para garantir a boa vida dos poderosos, dos privilegiados e seus pimpolhos? É para isso que trabalhamos? Isto faz algum sentido? Os poderosos e privilegiados pagam impostos? Não seria o caso da Receita Federal esclarecer os diversos aspectos das inúmeras notícias que circulam sobre os indivíduos da elite que são verdadeiros pobretões do ponto de vista do Imposto de Renda?


Só para exemplificar os nossos descalabros, da aplicação, no mínimo duvidosas dos recursos públicos, das destinações dos nossos impostos, vejam os exemplos recentes de dados divulgados das despesas do governo com o pagamento de pensões para filhas “solteiras” de determinadas classes de funcionários públicos. E tome aspas nestas “solteiras”. Sob qual ponto de vista tal tipo de pagamentos é razoável ou justificável? Claro que todas elas irão destacar a legalidade das suas generosas pensões, mesmo aquelas que não são exatamente solteiras no sentido lato do termo. Já vi notícias de diversos casos de “solteiras” que têm filhos e vivem maritalmente com companheiros, sem papel passado, ganhando ações na Justiça que asseguram o recebimento das suas generosas pensões. As filhas “solteiras” são inválidas que não podem estudar e trabalhar? E aí vem o outro lado da moeda com as manobras protelatórias (ou a recusa) do governo de aplicar recursos previstos para oferecer acesso à internet para as crianças das camadas mais pobres da população neste período de pandemia, piorando ainda mais o seu processo de formação e as suas chances de encontrar espaços razoáveis futuramente no mercado de trabalho. Estas crianças pobres que tiveram o acesso negado pelo governo, depois de todo este tempo fora da escola, qual será o impacto em suas formações? Isto sem contar o fato de que muitas destas crianças dependem das ofertas de merendas nas escolas para a sua alimentação. Não ouso nem pensar o que aconteceu com elas neste período. Imaginem como serão as vidas destas crianças daqui 10 anos, onde estarão, estarão fazendo o quê, estarão trabalhando em algum emprego decente de forma a lhes assegurar uma vida decente? Estas crianças estão sendo condenadas a se afundar cada vez mais na miséria, estão sendo condenadas por aquilo que elas são, por serem pobres e os nossos governantes, as nossas elites em geral, não têm nenhuma sensação de desassossego por isto, muito pelo contrário.


Só para dar mais um exemplo do descalabro, constatamos que o acesso à Internet negado às crianças pobres custaria menos de 1 % da renúncia fiscal deste ano de 2021, que é da ordem de 450 bilhões de reais, segundo a UNAFISCO (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil). Isto tudo sem contar inúmeros outros péssimos exemplos da péssima aplicação dos recursos públicos que cada cidadão pode imaginar sem nenhuma dificuldade.


Conheço muitas pessoas. Conheço no sentido de saber das suas existências, porém, a maioria, não sei exatamente o que se passa dentro delas. Isto não é uma crítica, é somente uma constatação. Claro que, o mesmo vale também para mim em certas situações, pois, às vezes eu também me fecho ou não falo claramente. Falo isso somente para exemplificar a dificuldade para conversar e debater os mais diversos tipos de assuntos de interesse público, pois, pode ocorrer da pessoa simplesmente não querer falar, não considerar tais assuntos importantes ou não acreditar que as suas ações e opiniões podem fazer toda a diferença. Há também as pessoas que não querem nem saber, desde que suas vidinhas estejam adequadamente resolvidas segundo suas próprias avaliações, nada mais importa.


Vi uma vez na TV, há muitos anos, um médico e professor que ocupou, inclusive, o Ministério da Saúde, dizendo que, observando tudo o que vivenciou nos cargos públicos que ocupou e das experiências com o seu trabalho, concluiu que o problema do pobre, não é o fato em si de ser pobre e sim, que os seus amigos, parentes e vizinhos também são pobres. Isto é como a constatação da promulgação de uma sentença condenatória à uma vida miserável. É a consolidação da sociedade de castas.


Eu acredito que toda a segurança observada nos países do Primeiro Mundo tem um forte componente na educação oferecida às suas crianças. No processo de formação escolar as crianças experimentam o desenvolvimento de relações de pertencimento, pertencimento à uma sociedade que compartilha sua própria cultura, sua língua, costumes, religiões, desenvolvem relações de amizade e de companheirismo, na prática de esportes aprendem a colaborar, a competir, a experimentar a sensação da vitória e da derrota, enfim, diversos tipos de características que definem o indivíduo, o cidadão, no universo existencial. As crianças no Primeiro Mundo não são hostilizadas, não são menosprezadas pelos governantes que lhes asseguram escolas e oportunidades. Isto é feito mostrando claramente para as suas crianças em formação quais caminhos podem seguir para evoluir em suas vidas, lhes mostrando claramente seus papéis que poderão desempenhar como cidadãos, lhes mostrando claramente quais serão os caminhos a trilhar para estudar em universidades ou, para aqueles que não querem estudar nas universidades, são mostrados os caminhos para desenvolver uma formação profissionalizante que vai lhes assegurar um conhecimento adequado para ingressar no mercado de trabalho. As crianças no Primeiro Mundo não ficam expostas ao crime organizado, a traficantes de drogas, etc., pois, passam uma boa parte do seu tempo dentro das escolas em atividades de estudos, atividades culturais, atividades de lazer e práticas esportivas.


Me parece uma consequência lógica que se uma relação de pertencimento é desenvolvida, o indivíduo se sente naturalmente como uma parte integrante do todo, vai poder ter meios de avaliar o seu papel, de imaginar, planejar e implementar o seu futuro e não vai ter motivos para destruir os meios materiais de que dispõe e nem vai destruir as suas relações pessoais insultando, transgredindo normas, ferindo pessoas ou praticando outras barbaridades deste gênero. O indivíduo que desenvolve esta relação de pertencimento se sentirá uma parte integrante da sociedade que o acolhe, o protege e lhe oferece oportunidades para evoluir sua vida com todo o seu potencial e plenitude. Uma sociedade que oferece o desenvolvimento destas relações de pertencimento não nega oportunidades aos seus cidadãos em formação, pelo contrário, oferece oportunidades e estimula a todos os seus cidadãos em formação a estudar e se desenvolver, para encontrar seus espaços e para, com isso, desempenhar seus papéis que serão relevantes e marcantes no desenvolvimento de toda a sociedade.


Tem sido muito comum ouvirmos de pessoas bem postadas na vida, de pessoas de alguma forma relacionadas aos serviços de educação, nos níveis municipal, estadual e federal, que os pobres deveriam se contentar, na melhor das hipóteses, com um diploma de nível médio, um diploma de técnico de nível médio. Segundo estas pessoas referidas, o acesso à universidade deve ser para a elite. Afinal, que espécie de elite é esta? Certamente, constataremos sem dificuldade que os engenheiros, advogados, professores, enfim, os mais diversos profissionais que conquistaram um diploma de um curso superior e que dirigem Uber pelas ruas do país não têm parentes ou amigos e nem são apaniguados de autoridades que possam lhes oferecer empregos comissionados, sem concurso, no serviço público e muito bem remunerados.


Fiz esta referência ao Uber porque já vi na TV, diversas vezes, as tais autoridades referindo-se a estas pessoas desta maneira, até com um certo menosprezo, um certo desdém, afinal, quem estes pobres pensam que são para pretenderem conquistar um cargo que requer formação universitária. Até por colonização cultural, as tais autoridades que se consideram “winners”, consideram que todos estes pobres não passam do estágio dos “losers”.


Acho que é bom ressaltar que a falta da oferta de trabalho está diretamente relacionada com a falta de investimentos. Afinal, se houvesse um maior volume de investimentos no nosso país, necessariamente, não haveria um aumento da oferta de oportunidades de trabalho? Vejamos aqueles altos escalões nos três poderes da República com seus salários, benefícios e rendimentos maravilhosos e bem acima do Teto Constitucional. Tais recursos se transformam em investimentos em nosso país, ou se transformam em apartamentozinhos ou viagens luxuosas naquelas localidades mencionadas do Primeiro Mundo, ou ainda em investimentos nas tais “offshores” nos paraísos fiscais? Pergunto, ao invés de propiciar esta fartura a estes privilegiados, por que não cumprirmos estritamente o Teto Constitucional e pagarmos, com estes recursos extra Teto Constitucional dispendidos com esta elite, salários melhores para os professores? Veja leitor, um raciocínio simples, salários melhores para os professores, necessariamente, se transformarão em aumentos dos consumos, com o consequente aumento da nossa atividade econômica, posto que o dinheiro será dispendido dentro do nosso país, não em Miami, Ilhas Virgens Britânicas ou lugares parecidos.


Retomando o assunto dos apaniguados, atenção autoridades da área de educação, que tal, só por curiosidade, submetermos todos os apaniguados deste país que ocupam tais cargos comissionados sem prestar concursos públicos, submetê-los às provas típicas dos concursos dos cargos que ocupam. Eu imagino qual seria o resultado: mostraria um dos lados mais perversos da nossa sociedade, da nossa elite que recusa a oferta de oportunidades aos filhos dos pobres em geral. Nós somos uma sociedade de castas camuflada de “democrática”. Poderíamos começar aplicando provas no nível do Ensino Fundamental a toda esta população de apaniguados, de protegidos e indicados pelas nossas autoridades. Em seguida, poderíamos aplicar provas do nível do Ensino Médio a todas estas pessoas. E, finalmente, para aqueles comissionados que ocupam cargos que têm como requisito a formação em Nível Superior, podemos aplicar-lhes provas específicas das áreas de formação requeridas para estes cargos. Duvido que os apaniguados dos políticos, dos juízes, dos militares, tenham capacidade de sobreviver nesta luta de concursos públicos da vida real. E ainda têm a cara de pau de falar em meritocracia. Faça-me um favor!


Vamos imaginar uma situação hipotética. Digamos que uma escola pública (mantida integralmente com recursos públicos, nossos impostos), auto-avaliada como sendo de alto nível e que ofereça 15 vagas para ingresso tenha uma das vagas preenchidas por uma carteirada ou canetada de uma das nossas autoridades da República(?). De imediato, já constatamos que 6,7 % das vagas foram preenchidas na base da carteirada ou da canetada. Na verdade, nesta situação hipotética, em se tratando de instituições brasileiras, não temos como saber se as demais 14 vagas foram realmente preenchidas por candidatos que tiveram um bom desempenho nas provas aplicadas, uma vez que, facilmente, na nossa vida hipotética, se decreta sigilo de 100 anos sobre qualquer coisa que, num país realmente desenvolvido, seria banal e transparente. Prosseguindo, sabemos que os pilares de uma escola são constituídos por um corpo docente, um corpo discente e pela infraestrutura. A falha de qualquer destes pilares, provoca o desmoronamento de toda a instituição. Vejamos o ponto de vista do professor em sala de aula, sabedor da existência da canetada e da

, ele vai, realmente, aplicar os rigores das avaliações naqueles 6,7 % dos alunos? Aqueles 6,7 % dos alunos não vão prejudicar o andamento das apresentações das matérias em sala de aula? Esta pergunta é pertinente, pois, provavelmente, tais alunos não estão devidamente qualificados. Se estivessem devidamente qualificados, não dependeriam de carteiradas ou canetadas. Digamos que para 6,7 % dos alunos, contando com o auxílio dos seus pais, o resultado da operação no campo dos números inteiros de -4+5 seja igual a +9. O professor vai, realmente, insistir que o resultado, na verdade, conforme o conhecimento científico vigente, é +1? Se o professor insistir em afirmar que o resultado é +1, ele será automaticamente tachado como subversivo ou comunista? E para os outros 14 alunos, ele vai explicar exatamente o quê? Acho que ele explicará, no mundo da terra plana, sabemos que -4+5=9 e ponto final, vamos cantar hinos e não encham o saco! Nós vivemos no mundo da terra plana, esta escola é muito bem avaliada no mundo da terra plana e não podemos nos aproximar das bordas, senão cairemos.


Ah, de quem estávamos falando mesmo? Ah, dos estudantes pobres. E quem vai cuidar dos programas de auxílio para eles quando se tornarem adultos, aqueles que não forem mortos precocemente pelo consumo excessivo de drogas ou de álcool, por inanição ou em encontros fatais com a polícia? Não se preocupem, adultos formados como aqueles 6,7 % referidos, os pimpolhos dos fidalgos, cuidarão de organizar os programas de auxílio emergencial.


E, nesta altura, o Confúcio terá desistido completamente de nós.


Para encerrar e para exemplificar que tomar atitudes não é nada fácil, transcrevo uma frase do Darci Ribeiro: "Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando e lutando, como um cruzado, pelas causas que me comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isto não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que nos venceram nessas batalhas."


São Paulo, 31 de outubro de 2021.


Pedro Pereira de Paula (1)



(1) SOBRE O PEDRO:


Membro do Movimento EngD, professor a 45 anos, Pedro Pereira de Paula, nasceu em 1955 em Sorocaba, SP. Engenheiro Eletricista (1981), Mestre (1993) e Doutor em Engenharia Elétrica (2000) todos títulos pela Escola Politécnica da USP. Fez Pós-doutorado (2004) no Laboratoire d`Electrotechnique de Grenoble, em Grenoble, França.

Trabalhou como Engenheiro de Pesquisas em máquinas elétricas e materiais magnéticos no IE-USP (1982 a 1985) e no IPT (1985 a 1987). Trabalhou como engenheiro de pesquisas em sistemas elétricos de propulsão no Centro Tecnológico da Marinha em SP (CTMSP – 1987 a 2020). Atualmente trabalha como engenheiro eletricista no Centro de Rádio-fármacos do IPEN (CR-IPEN, início em 2020).

Foi Professor Titular de Engenharia Elétrica da Universidade Cruzeiro do Sul (1995 a 2006).

Atualmente é Professor nos cursos do Programa de Educação Continuada em Engenharia da EPUSP (PECE-Poli, início 2009) e do Instituto Mauá de Tecnologia no Curso de Veículos Elétricos e Veículos Elétricos Híbridos (início 2019), ambos no nível de Pós-graduação.

É consultor em aplicações de máquinas elétricas. Tem experiência na área de Engenharia Elétrica, com ênfase em Sistemas Elétricos de Potência, atuando principalmente nos seguintes temas: projeto, métodos de simulação e ensaios de máquinas elétricas, particularmente, máquinas de relutância, de ímãs permanentes e síncronas.

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