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Amauri Pollachi

Sabesp: a destruição de um ícone paulista

Por Amauri Pollachi



O ano de 2023 deveria ser de grandes comemorações para o saneamento, a saúde e o meio ambiente de São Paulo, pois um ícone paulista, a Sabesp, comemora 50 anos de existência. Em meio século, a empresa contribuiu decisivamente para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e do meio ambiente, com água potável e esgoto tratado para 375 cidades em que residem cerca de 30 milhões de pessoas.


Todavia, a celebração do cinquentenário da Sabesp sob o comando de sua nova diretoria será uma festa às avessas, de arranjo desastroso, comida ruim e música desafinada!


Os novos diretores, ao invés de atemorizar a comunidade interna e ignorar a missão da empresa de promover a qualidade de vida da população, poderiam fazer uma simples consulta ao imenso acervo de documentos, imagens, áudios e reportagens que mostra o ininterrupto trabalho da Sabesp em favor da vida. São incontáveis os testemunhos de gestores municipais, legisladores, trabalhadores, ambientalistas, sanitaristas, empresários, representantes de movimentos sociais, líderes comunitários e pessoas anônimas.


Ao longo de sua existência, a Sabesp passou por momentos de construção, de superação e de celebração graças aos resultados alcançados por trabalhadores e trabalhadoras engajados e motivados, que nunca se negaram à luta diária para construir uma empresa financeiramente sólida e tecnicamente eficiente.


Não é apenas um discurso: são conquistas históricas que deveriam ser celebradas. Como a grande virada de 1995, quando a comunidade sabespiana, unida e empoderada pelo governador Mário Covas e o secretário Hugo Rosa, propôs e implantou um plano para reconstrução da empresa e o modelo de gestão de Unidades de Negócio, que reverteu sua dramática situação financeira, institucional e operacional e tornou-se um caso de sucesso empresarial registrado em livros e artigos.


Outro feito histórico poderia ser a crise hídrica de 2013-2015, em que a Sabesp se mobilizou para enfrentar um inédito quadro de colapso de seu principal sistema produtor, bem como a escassez em diversas cidades do interior e do litoral. A união interna e a convergência de pessoas, recursos e conhecimentos, inclusive com incentivos para redução de consumo, foram decisivas para superação da crise e a implantação de soluções mais seguras e resilientes ante cenários semelhantes que, certamente, advirão em face da crise climática.


Ainda fresca em nossa memória está a capacidade de resposta da Sabesp, que mais uma vez foi colocada à prova neste verão de 2022-2023 com inundações e deslizamentos de encostas, não apenas no Litoral Norte como também em várias cidades do Estado. Recursos e pessoas de todas as áreas operacionais foram acionados para o pronto restabelecimento dos sistemas produtores e o atendimento emergencial com abastecimento de água.


Poderiam festejar a presença da Sabesp na vida cotidiana de incontáveis pessoas que experimentaram a “mágica” sensação de, pela primeira vez em sua vida, terem água boa e acessível dentro de sua moradia. Incontáveis pessoas alcançaram mais dignidade por terem os dejetos afastados de sua casa, de seu bairro, de sua cidade.


Já são 309 municípios com universalização de abastecimento e esgotamento sanitário, inclusive tratamento de esgotos, com evidente melhoria das águas de rios e córregos que atravessam áreas urbanas dessas cidades. O próprio governo estadual faz propaganda dos R$ 26 bilhões que a Sabesp investirá entre 2023 e 2027, volume que sinaliza a universalização de atendimento em todas as cidades operadas até o final desta década.


Infelizmente, a narrativa presente nas mentes, corações e bocas de diretores e diretoras está obsidiada pela imagem da Sabesp vendida a marretadas.


O secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, o governador de São Paulo, João Doria, o diretor-presidente da Sabesp, Benedito Braga e a presidente da Cetesb, Patricia Iglesias falam sobre o projeto Novo Rio Pinheiros.


Se não, por qual motivo os primeiros passos e sinais da nova gestão apontam para a ruptura da cultura da empresa, o que certamente levará a conflitos e instabilidades? A Sabesp não pode ser gerida tão somente com base em planilhas de excel para redução de despesas com pessoal ou em estudos superficiais de reestruturação administrativa elaborados por consultorias de passagem. A centralização poderá interferir fortemente nas relações com o poder concedente, com perda de agilidade e incapacidade de gestão dos serviços na ponta, junto ao cliente. Para que reestruturar ou promover uma transformação organizacional numa empresa com data certa para privatizar, não é?


Por qual motivo desprezam o acúmulo de conhecimento técnico e operacional das pessoas que construíram e constroem a Sabesp? Implantar um Plano de Demissão Incentivada (PDI) atende às contas de planilha, contudo inevitavelmente causará esvaziamento de áreas vitais da empresa, tanto operacionais quanto administrativas. Um plano de demissão em massa exige planejamento capaz de transmitir conhecimentos e promover treinamentos on the job para que pessoas assumam funções primordiais da empresa.


Com base na minha experiência gerencial asseguro que em determinados cargos e funções operacionais da empresa são necessários muitos meses – ou até anos – para capacitar um profissional que substituirá a um aposentado. São atividades que não cabem terceirizações, pois requerem conhecimento técnico e habilidades para tomada de decisões imediatas em que somente pessoas capacitadas e com autonomia de decisão podem atuar. Promover a otimização do quadro mediante PDI sem vinculação a um prévio concurso para contratar, no mínimo, a reposição dos demitidos é uma decisão temerária que, sem sombra de dúvida, compromete os discursos vazios de “busca de maior eficiência”. Por outro lado, será uma decisão acertada se a intenção subliminar é obedecer ao lema “precarizar para privatizar”.


Por qual motivo tergiversam quanto à privatização nos discursos para a comunidade interna enquanto nos encontros com investidores ou grupos de mídia defendem veementemente a privatização como a única solução para a empresa e o saneamento paulista?


A justificativa de privatizar por problemas financeiros e incapacidade de realizar investimentos foi, mais uma vez, derretida pela publicação do balanço de 2022, que aponta um lucro de 3,1 bilhões. Agora pessoas que sentaram na cadeira de presidente da empresa levantam uma definitiva e incontestável razão: “as estatais têm arcabouço jurídico que impõe nível de controle e restringe inovações, limitando a capacidade de ser mais eficiente e ágil”.[1] Então, vamos nos livrar da Sabesp para fugir dos controles de fiscalização externos da governança estatal como Tribunais de Contas e Ministério Público? É com essa muleta que se privatiza uma empresa estatal que chegou ao pódio de uma das melhores empresas de saneamento do mundo e a maior da América Latina?


Quando não há justificativas de ineficiência, tarifas elevadas, insuficiência de recursos ou serviços ruins que se encaixam à narrativa ideológica de que “o privado é ótimo e o estatal é péssimo”, pode-se destruir as bases do edifício e desmoroná-lo. O receituário de manual para a “doença estatal” manda deteriorar e precarizar a prestação de serviços, conjugado à bem dosada dissolução da cultura interna. Na prática, aplica-se o ditado que diz: “se a única coisa que você tem é um martelo, então tudo o que você consegue enxergar é prego”.


Evidente que não há ser humano ou organização imune a falhas. É certo que cada qual deve, incessantemente, buscar seu aprimoramento. A Sabesp possui um extenso histórico de permanente busca de excelência e superação de desafios. Seu aperfeiçoamento não exige a competição entre categorias, a humilhação a ex-sabespianos, a implosão de conhecimentos e de capacidades técnicas ou a destruição de canais internos e externos de diálogo aberto, transparente e participativo.


A depender da condução da Sabesp, 2023 está com forte tendência a ser uma festa de despedida, em que a população paulista corre o risco da empresa ícone do setor tornar-se uma empresa de exploração e especulação financeira, contrariando o bem-estar das pessoas, comprometendo o emprego de trabalhadores e a segurança hídrica da sociedade.


Milhares de sabespianos, sabespianas, diretores e governantes fizeram parte da trajetória cinquentenária da Sabesp. Tenho muito orgulho por ter contribuído durante 31 anos nessa jornada, em que a coesão interna e a construção coletiva do processo de governança da empresa foram os elementos-chave para muitos resultados extraordinários.


Nossa trajetória é passageira! A Sabesp pública é e deve ser duradoura para muito além de seus cinquenta anos!


Amauri Pollachi é diretor de Relações Externas da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp (APU) e conselheiro do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS) e da Engenharia pela Democracia.


[1] Disponível em “A Tribuna de Santos”, 28 de março de 2023, p. A-3

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