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Soberania nacional e política econômica




No sábado o Brasil completou 202 anos da independência política do Reino de Portugal, um passo importante para o desenvolvimento soberano do país. Mas não suficiente.


Além de andar com as próprias pernas, a soberania pressupõe autossuficiência em cuidar da vida dos seus e produzir segundo a capacidade nacional, suprindo o mercado interno e ajudando outros povos a seguir pelo mesmo caminho.


Nas relações exteriores, primar pela defesa da paz e da autodeterminação de toda a gente do planeta. Dentro do território nacional, cuidar para uma justa distribuição da riqueza a que todos aportam o seu quinhão.

Vamos contar a nossa história.


1. A formação do Brasil


As grandes navegações portuguesas do final do século 14 tinham como objetivo primaz buscar o caminho das índias, chegar ao Oriente contornando o continente africano, para incrementar o comércio de especiarias na Europa, até então dominado por um consórcio entre árabes e venezianos.


Aos produtos trazidos pelas caravelas lusitanas acresceu-se o açúcar, já conhecido na África, que demandava algum processo de beneficiamento para permitir o transporte de longa duração.


O afastamento da costa africana permitiu aos portugueses chegar à Porto Seguro, nas terras ultramarinas mais ocidentais, em relação ao Tratado de Tordesilhas.


Após um período extrativista, estabeleceu-se na costa brasileira o cultivo da cana-de-açúcar e a produção da especiaria doce, voltado ao abastecimento do mercado europeu.


Portugal era então uma potência comercial, mas desinteressada na indústria como forma de acumulação financeira. Poder-se-ia dizer que o futuro Brasil, com suas usinas baseadas em tecnologia e equipamentos holandeses, era mais industrializado que a metrópole.


Seguiu-se à lavoura a mineração, buscada no interior do continente, e o suprimento da mão-de-obra necessária era trazido de forma escrava das possessões lusitanas na África. Novos instrumentos de produção e de transporte se fizeram presentes no país ultramarino e um povo brasileiro se formava.


2. A independência política do Brasil


Na Europa do século 17 a Inglaterra tornava-se hegemônica, pela sua vanguarda industrial, primeiro com o advento do vapor e mais à frente da eletricidade, voltada tanto ao aumento da produtividade do trabalho como o estabelecimento de poderio militar. A coroa portuguesa comprava-lhes praticamente tudo, incrementando a exploração das colônias para pagar a fatura com os ingleses.

O Brasil, cujas entradas e bandeiras ampliaram as fronteiras para além das Tordesilhas, teve em 1808 os portos abertos às Nações amigas, na prática aos navios ingleses, permitindo o comércio direto da colônia que não tardou a romper os laços com Portugal, inclusive com a permanência do próprio príncipe D. Pedro. Alcançou o feito em 7 de Setembro de 1822.


O século 19 viu florescer as relações capitalistas de produção na terra tupi, o que ensejou o fim da escravidão para dar início ao processo de trabalho remunerado e a formação de um mercado consumidor brasileiro.


Veio a República em 1889 e com ela os primórdios de um projeto nacional de desenvolvimento, cuja execução, no entanto, não perdurou senão alguns anos, obstado que foi pela elite rural, ainda interessada na mão-de-obra escrava, e a antiga nobreza, pouco afeita às lides laborais.


3. Revolução de 30 e a industrialização brasileira


Na primeira metade do século 20 a hegemonia do mundo capitalista – e, portanto, imperialista, migrou da Inglaterra para os EUA, sua ex-colônia. Intensificava-se então a migração de capitais, em forma de plantas fabris e empréstimos em dinheiro, e a formação militar para assegurar a liquidez dos investimentos internacionais. As tensões interimperialistas levaram a humanidade a duas guerras mundiais, que, às custas de dezenas de milhões de mortos, fizeram afirmar a hegemonia global estadunidense.

A crise de 1929, fenômeno próprio e recorrente da evolução capitalista, abriu ao Brasil uma nova era revolucionária, em busca da independência econômica. A chegada de Getúlio ao Catete, após um embate iniciado ainda em 1922 com a Revolta Tenentista em Copacabana, criou novas perspectivas para o desenvolvimento do país.


Consolidado o novo poder, após as reações do agronegócio em 1932 e a intentona comunista em 1935, por um lado, iniciou-se a industrialização pesada com a siderurgia e o petróleo como destaques, e, por outro, estabeleceu-se regras e direitos do trabalho e da convivência democrática, com a CLT e o sufrágio feminino, por exemplo.


Ainda por longos anos o processo produziu bons resultados, como na produção de energia e nas comunicações, embora em indústrias de maior sofisticação produtiva, como a de eletrodomésticos e automóveis, fossem instaladas no Brasil montadoras dos produtos, cujos componentes e seus segredos permaneciam nas respectivas matrizes. Um novo movimento de capitais, passivo de remessa de dividendos.


4. A dependência financeira e o retrocesso nacional


O final dos anos 1970 foi marcado por uma viragem na prática capitalista, procurando incrementar a acumulação financeira por si só, distante da produção.

A ditadura militar instalada em 1964 viva o seu ocaso e cedia ideológica e praticamente ao neoliberalismo, só que com o país em posição internacional subalterna, dependente.


As rendas financeiras, que do trabalho e de nenhuma outra fonte provém, em última instância, passaram a predominar nas relações de troca internacionais e internas, formando um capital fictício cobrador de juros.


O Brasil desindustrializou-se, importando os bens de consumo e exportando os empregos, tornando-se crescentemente uma economia de serviços e produtora de primários de exportação. A tendência natural desse modelo é o crescimento da dívida pública, direta ou indiretamente com o exterior. E, com isso, dos juros pagos aos rentistas, cada vez mais ricos com a produção cadente.

A ação do Estado nacional, para pagar os juros, envolveu cada vez mais a venda das estatais, muitas vezes a preço vil, e a redução dos serviços públicos, e mesmo da previdência recolhida pelos próprios trabalhadores brasileiros.


Parte da burguesia nacional passou para o lado do imperialismo, recolhendo-lhe as migalhas (não tão migalhas assim...) e procurando ocupar, com bom sucesso, a superestrutura política do Brasil, recém chamado de “paraíso dos rentistas”, negócio ainda mais vantajoso do que a produção de primários para exportação.


Um retrato da situação a que chegamos foi dado pela Forbes Brasil, a revista dos milionários, que indicou terem 315 brasileiros mais riqueza do que a soma dos 200 milhões mais pobres.


5. O novo projeto nacional de desenvolvimento


Dizia meu saudoso pai, que aqui imigrou ainda garoto, em 1930, que “este é um país tão bom que governo nenhum consegue estragar”. Falecido em 1984, não chegou a viver esse período terminal do desenvolvimento capitalista, mas a razão não deixa de lhe assistir até os dias de hoje.


O Brasil tem um potencial imenso, a começar pela resiliência e criatividade do povo brasileiro. Com estabilidade geológica e reservas minerais de utilidade para a humanidade, pode restabelecer o caminho da industrialização como instrumento de prover as próprias necessidades de bens materiais de consumo e produção e ainda ajudar outros povos no seu desenvolvimento e bem-estar.


Pode abastecer a mesa de todos os brasileiros com uma fração do que exporta de grãos e prover de energia limpa e barata cada rincão desse imenso país. Cuidar da educação e da saúde de todos, para o pleno emprego das nossas forças produtivas.

E assim acumular para atender plenamente as necessidades sociais segundo o trabalho de cada um e de todos.


São muitas as tarefas por realizar, como fomentar a pesquisa científica e servir-se da engenharia para aplicar as descobertas na vida cotidiana, para melhorar a vida das pessoas. Reforçar a educação pública para que todos sejam movidos pela curiosidade e o senso prático, em espírito de coletividade. Desenvolver a cultura e a arte, reforçando a identidade nacional.


Mas urge, em relação a todas elas, redirecionar crescentemente a poupança hoje absorvida pelo rentismo em direção aos investimentos produtivos. Baixar os juros e elaborar o orçamento público em linha com o crescimento econômico e o pleno emprego das forças produtivas nacionais.


Já sonhava Tiradentes: se todos quisermos, faremos deste imenso país uma grande Nação.


Viva o Brasil! Rumo a uma nova independência.

 

Iso Sendacz

Brasil, 7 de Setembro de 2024

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