A jornalista Eleonora de Lucena, editora do canal Tutaméia e ex-editora-executiva da Folha de S. Paulo (2000-2010), defende que escolhas políticas agravaram os impactos do desastre ambiental no Rio Grande do Sul. Em artigo publicado na Folha no sábado (25), com o título “Extrema direita e neoliberalismo matam e ampliam destruição no RS”, Eleonora critica especialmente os governantes estadual e municipal.
“É sabido que boa parte da elite econômica do Rio Grande do Sul é de direita e flerta com o fascismo. O avanço da monocultura da soja reforçou o domínio dessa ideologia, que foi base da ditadura militar e do governo Bolsonaro”, diz a jornalista. “Seu rastro autoritário e reacionário acompanhou a expansão da fronteira agrícola para o Centro-Oeste e o Norte do país.”
Agora, porém, o cenário é mais complexo devido à presença de lideranças direitistas no Poder Executivo. Segundo Eleonora, “as políticas neoliberais do governador Eduardo Leite (PSDB) e a voraz destruição realizada pelo prefeito bolsonarista Sebastião Melo (MDB) amplificaram em muito as consequências das chuvas”.
Familiares da própria jornalista perderam tudo na tragédia, conforme seu relato. “Submersos havia dez dias, móveis, roupas, papéis, livros, quadros, eletrodomésticos formam agora uma montanha de rejeitos na calçada.” Além de mortos, desaparecidos, feridos e desabrigados, o descaso prejudicou o trabalho de dezenas de milhares de famílias, especialmente os pequenos agricultores.
Para Eleonora, a gestão pública neoliberal deve ser responsabilizada na medida em que pôs interesses privados acima dos interesses públicos: “Submetidos aos interesses dos plantadores de soja, das construtoras e dos capitalistas que querem sugar tudo o mais rapidamente possível, o governador que posa de modernoso e o prefeito da extrema direita cumpriram um roteiro já bem conhecido: devastaram as leis de proteção ambiental, demoliram instituições públicas com privatizações, desmantelaram órgãos de planejamento e sucatearam criminosamente sistemas que defendiam a capital gaúcha de inundações”..
“Pior. Seguem com sua sanha predatória no meio da catástrofe”, agrega Eleonora. “Têm pressa em entregar nacos do poder público a interesses privados, mirando negócios mirabolantes no processo de reconstrução. Rapidamente, fecham acertos com consultorias que integram o esquema da extrema direita mundial, cujo histórico é de jogadas que beneficiam os mais ricos e descartam os mais pobres, jogando-os para longe dos espaços gourmetizados, colonizados e deslumbrados. Ignoram o conhecimento acumulado de cientistas, engenheiros, urbanistas que, principalmente nas universidades, estudam essas questões há décadas.”
Em certa medida, Eleonora diz que há o risco de entrega da reconstrução do estado a “empresas estadunidenses”, numa espécie de desdobramento da Lava Jato, que atacou a engenharia nacional. “Não é outro o desenho das alardeadas ‘cidades provisórias’”, critica o texto. “Elas desprezam as necessidades dos que não têm onde morar agora, transferindo-os para locais distantes, sem infraestrutura mínima, tirando-os da paisagem para, quem sabe, tentar incentivar o turismo em Gramado!”.
A conclusão do artigo é a de que, “sem a ação do Estado, resta o caos —o alvo maior da extrema direita”. De resto, cabe aos gaúchos limpar não apenas os escombros da tragédia. “É possível começar a descartar o entulho da obscuridade que encharca com podridão as ruas da metrópole.”
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