Por Francisco Gonçalves e Souza*
De acordo com diagnóstico do Tribunal de Contas da União (TCU), as obras paralisadas financiadas com recursos federais em 2020 eram 29%, em 2022 subiu para 38,5% e até o final de 2023, chegaram a 8.603 obras paralisadas (43% do total de 21.005 obras), que correspondem a investimentos de R$ 32,23 bilhões, dos quais R$8,28 bilhões (27%) já foram realizados e aproximadamente R$24 bilhões (73%) correspondem à parcela paralisada. O valor total e o desembolso pendente das obras que se encontram paradas correspondem respectivamente a 28% e 21% do investimento total, R$113,65 bilhões.
Das 8.603 obras paradas, 3.580 (41,5%) são obras voltadas para a educação básica e 1854 (21,5%) são obras de infraestrutura e mobilidade urbana. Apenas esses dois segmentos respondem por 5.434 obras paradas, 63% do total.
De acordo com o BNDES, entre 2014 e 2022, a cada R$1 milhão desembolsado pelo BNDES, foram gerados ou mantidos 10,2 empregos, com ligeira tendência de aumento. Tomando-se esse número como referência, as obras paradas deixam de gerar algo da ordem de 255 mil empregos diretos, em grande parte empregos qualificados, que seriam fundamentais para consolidar o crescimento do Brasil. E ainda sem contar as obras paradas estaduais e municipais.
Além das paralisações, os aditamentos contratuais de custos e prazos são desvios também muito frequentes, que encarecem as obras, estendem os prazos, e implicam em relevantes custos financeiro e social. Tratam-se de chagas históricas da engenharia nacional, sobretudo nas últimas duas décadas.
É possível inferir a existência de múltiplas motivações, presentes nas mais diversas fases da evolução dos empreendimentos, desde os estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e social (EVTEAS) e os projetos conceituais, até a construção & montagem, que concorrem para as paralisações e aditamentos de custos e prazos. É possível que sejam menos frequentes durante o comissionamento, quando os empreendimentos entram em uso.
Faz-se necessário identificar de forma mais profunda as causas-raiz desses desvios, de modo que seja possível a tomada de ações no sentido de neutralizá-los; sejam ações deliberadas ou incompetência, ou outros fatores, precisam ser fortemente combatidos, uma vez que levaram as principais empresas de engenharia brasileiras à frequência assídua das páginas policiais, sobretudo entre 2006-2016.
Antes mesmo do projeto conceitual e do EVTEAS, é importante já se traçar um planejamento preliminar do empreendimento, com a visão de todas as etapas futuras. A abrangência dessa discussão deve ser estendida às demais fases da implantação de empreendimentos. Falhas nos projetos conceituais e/ou EVTEAS geralmente conduzem a falhas nas etapas posteriores: o projeto básico, o pré-detalhamento (FEED) e o projeto executivo, usados na contratação, cuja consistência é fundamental para o sucesso de qualquer empreendimento. As falhas são os embriões das alterações de projeto que irão justificar os aditamentos de custos e prazos, que são a base do ciclo de improdutividade, e às vezes até da paralisação da obra, quando os recursos já tenham sido esgotados.
O ciclo de improdutividade é um mecanismo em que as empresas maximizam seus lucros, não por tornar seus processos eficientes, por aumentar a produtividade, por qualificar seus profissionais, ou por qualquer outro processo de melhoria contínua, e sim por ampliar o escopo contratual a partir de aditamentos contratuais, calcados em alterações de projeto (às vezes necessárias, por falhas nos projetos usados como referência para orçamentos, porém, às vezes absolutamente desnecessárias), e em consequência, também estender os prazos e obter lucro sobre a mão-de-obra indireta alocada.
Seguindo o curso, os processos de contratação também precisam ser rediscutidos, privilegiando quem termina as obras dentro dos prazos e dos custos contratados. Os critérios, a transparência e equidade na disputa precisam estar patentes. O nível de detalhamento do projeto usado na contratação também é importante. Quanto menor o detalhamento, maior a variabilidade na proposta, de modo que a tolerância para contratar com projeto básico é de +/-25%, sendo tolerado também 25% de aditamento de preços, o que pode elevar “legalmente” o custo do empreendimento em 56%. O período entre 2006-16 mostrou que as contratações de empreendimentos por Engineering Procurement and Construction (EPC) e por consórcios não foram muito efetivas, sendo necessária rediscutir a relação desses processos com o ciclo de improdutividade.
A etapa de contratação deve ser rediscutida também do ponto de vista do licitante. É importante que se disponham de experiência e métricas históricas que permitam orçar a obra com alguma segurança. O diferencial deve ser a expertise e não a “esperteza” em “mergulhar preços” para compensar adiante com alterações de escopo e potenciais aditamentos já observados nos furos do processo de contratação ou dos projetos.
Uma vez ganha a licitação, o planejamento e controle da obra são fundamentais. Porém, é possível perceber duas grandes linhas de pensamento, ambas equivocadas: (a) planejamento não faz obra, e sim o “fazejamento” – vai fazendo que um dia termina; (b) planejamento tem que ser detalhado até o nível de “peão apertando parafuso”, o que implica em diagramas de Gantt às vezes com dezenas de milhares de linhas, que tornam o planejamento e controle mais complexo que a própria obra, não provendo as informações necessárias para o bom andamento da construção & montagem. É óbvio que os bons e experientes profissionais sempre optarão por um meio termo, com base em históricos próprios de produtividade ou benchmarks, sempre considerando os insumos e recursos necessários.
O sucesso da construção & montagem depende fundamentalmente das etapas anteriores: o projeto, a contratação e o planejamento. Em paralelo à construção & montagem, estão o suprimento e a contratação (make or buy) de mão-de-obra direta, indireta, administração e/ou serviços terceirizados. O suprimento guarda relação direta com a reindustrialização em curso no Brasil e deve passar necessariamente pela rediscussão da política de conteúdo nacional, que sofreu fortes retrocessos nos últimos anos, sobretudo em investimentos na indústria de óleo & gás. A qualificação de mão-de-obra em seus mais diversos níveis é outro tema que precisa ser rediscutido, à luz de programas como o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp) que formou ou especializou dezenas de milhares de profissionais para atuar na área de implantação de empreendimentos de construção, montagem e instalações.
A partir dessa breve revisão, é possível inferir que o fim do ciclo de improdutividade passa necessariamente por um estudo aprofundado de médio-longo prazo dos desvios apontados por amostragens nas auditorias do TCU (podendo ser estendido aos TCEs e TCMs) a fim de quantificar e qualificar os desvios em cada fase dos empreendimentos, de modo que seja possível discutir soluções que podem passar por qualificação profissional, incentivos fiscais, medidas legais ou outros.
A verdade é que nós, engenheiros, sabemos fazer. E sabemos fazer melhor. A engenharia brasileira precisa trocar o ciclo de improdutividade pelo ciclo de produtividade, para ajudar mais ainda o Brasil a crescer, gerar e distribuir riqueza, dando dignidade ao seu povo, um povo trabalhador.
* Francisco Gonçalves e Souza, engenheiro civil, é diretor do Sindipetro Unificado/SP e mestrando do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP)
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