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Uma crise política e modal


O caos que assola o país, ocasionado pelas centenas de intervenções e bloqueios nas rodovias promovidas pelos apoiadores do ainda presidente Jair Bolsonaro, derrotado nas urnas, tem preocupado governantes, a população e especialistas.

Engenheiro e membro da EngD, José Manoel Ferreira Gonçalves, é presidente da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (FerroFrente). Em artigo “Uma crise política e modal”, José Manoel traça um paralelo entre as greves dos trabalhadores e a recente situação.


Segundo ele, a situação evidencia a deficiência da nossa logística e alerta para a necessidade de ampliar a malha ferroviária brasileira, investir no transporte sobre trilhos.


“O trem é mais seguro, transporta muito mais por muito menos, polui seis vezes menos, e contribui cabalmente em momentos agudos como este, diminuindo a insegurança, diluindo poderes de classe e atendendo ao interesse público mais lídimo”, finaliza José Manoel.


Leia o artigo na íntegra.


UMA CRISE POLÍTICA E MODAL


As greves de profissionais do transporte sobre pneus que costumam fechar estradas para que vejam atendidas reivindicações da classe são sazonais e relativamente comuns no mundo.


No início deste ano, por exemplo, os caminhoneiros do Canadá deram prova do quanto é difícil conter esses levantes, e do quanto de transtornos causam ao impedirem o ir e vir, transtornos que, no caso de doentes, por exemplo, podem se tornar dramáticos, bem como o desabastecimento que geram no decorrer do tempo.

As interdições das vias que assistimos no momento no Brasil têm a ver com o exemplo canadense: nenhuma conectividade com reivindicação de classe e total conectividade com ideologia.


No caso do Canadá, foi o negacionismo científico que insuflou dezenas de milhares de caminhoneiros a exigir o fim de procedimentos sanitários que visavam conter o avanço da Covid-19; no Brasil o que se reivindica é que as eleições sejam desconsideradas e que se dê posse ao derrotado no pleito presidencial.


Mas há algo sobre o qual, na condição de presidente da FerroFrente, tenho falado publicamente, que diferencia sobremaneira a experiência canadense da que vivemos atualmente no Brasil.


É que o Canadá fez a lição de casa e, assim, não depende de apenas um modal de transporte. Com isso, as greves atrapalham a valer, sem dúvidas, mas os direitos da nação, das pessoas, de ir e vir, bem como de se abastecer de víveres e demais produtos fica pelo menos parcialmente garantida pelos modais concorrentes, notadamente o modal ferroviário.


O que vivemos hoje no Brasil é pontual e gravíssimo, basta abrir qualquer jornal para constatarmos que há consenso de que o que vivemos é uma intentona golpista, mesmo porque o representante da classe dos caminhoneiros já se pronunciou dizendo que a iniciativa não é deles e que sequer, como classe, eles apoiem, ao contrário.


Por isso, para fazer frente à gravidade e urgência do que acontece deve-se estar focado nos fatores políticos-ideológicos que mantêm o movimento, sobre isso não há qualquer dúvida. Contudo, mais uma vez, esse processo evidencia o lado manco da nossa logística nacional: é preciso, com urgência, voltar a investir em trilhos.


O trem é mais seguro, transporta muito mais por muito menos, polui seis vezes

menos, e contribui cabalmente em momentos agudos como este, diminuindo a insegurança, diluindo poderes de classe e atendendo ao interesse público mais lídimo.


*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro, advogado, jornalista e escritor. É presidente da FerroFrente (Frente Nacional pela volta das Ferrovias) e da Associação Guarujá Viva (Aguaviva).

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